24 outubro 2006

Os estudantes, os intelectuais e a luta de classes

Ernest Mandel

1.

(...)

Qual é o objectivo da reforma universitária tal como é proposta pelos reformadores liberais do mundo ocidental? É uma tentativa para arrumar a organização da Universidade a fim de que esta satisfaça as necessidades da economia e da sociedade neo-capitalista. Esses senhores dizem: “Claro, não é nada bom ter um ‘proletariado acadêmico’; não é nada bom ter muita gente que deixe a Universidade sem poder encontrar emprego. Isto é para muitos a razão da tensão e da explosão social. Mas como resolver o problema? Fá-lo-emos reorganizando a Universidade e distribuindo o número de lugares acessíveis segundo as necessidades da economia neo-capitalista. Num país que tem necessidade de 100 mil engenheiros, asseguraremos 100 mil engenheiros em vez de dispormos de 50 mil sociólogos ou 20 mil filósofos que não podem encontrar emprego compatível. Isto desembaraçar-nos-á das principais causas da revolta estudantil”.


Eis uma tentativa para subordinar a função da Universidade, muito mais que no passado, às necessidades imediatas da economia e da sociedade neo-capitalista. Ela produzirá um grau ainda mais elevado de alienação estudantil. Se tais reformas são aplicadas, os estudantes nunca encontrarão uma estrutura e um ensino universitário que correspondam aos seus desejos. Não poderão escolher uma carreira, um domínio do saber, as disciplinas que gostam e correspondem às suas aspirações, às necessidades da sua própria realização em função das suas próprias personalidades. Serão obrigados a aceitar os cursos, disciplinas e domínios do saber que correspondem aos interesses dos poderes da sociedade capitalista e não às suas necessidades enquanto seres humanos. Assim, um nível mais elevado de alienação será imposto através de uma reforma da Universidade.

(...)


2.

Durante os últimos vinte e cinco anos, a função da Universidade no Ocidente modificou-se progressivamente. Neste processo, a Universidade foi, em larga medida, mais o sujeito do que o objecto de uma evolução social programada que se pode resumir numa fórmula: transição da segunda para a terceira fase da história do modo de produção capitalista, ou mais abreviadamente, escalada do neo-capitalismo.

(...)


A tendência para tornar a Universidade funcional é levada ao extremo quando o ensino e a pesquisa universitária são subordinadas aos projetos específicos de empresas privadas ou de serviços governamentais (pensamos no papel de certos colégios universitários britânicos e americanos na pesquisa sobre armas biológicas, bem como nos war games praticados em certas universidades americanas, que se ocupam das guerras civis neste ou naquele país colonial).

(...)


A superespecialização, a instrumentalização e a proletarização do trabalho intelectual são as manifestações objectivas da alienação crescente do trabalho e conduzem inevitavelmente a uma consciência subjetiva crescente dessa alienação. A sensação de perda de todo o controle sobre o conteúdo e o desenrolar do seu próprio trabalho está tão difundido nos nossos dias nos chamados especialistas, incluindo aqueles que saem da Universidade, como entre os trabalhadores manuais.


Fonte: Mandel, E. 1978. Os estudantes, os intelectuais e a luta de classes. Lisboa, Edições Antídoto.


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