30 março 2007

Navio negreiro

Castro Alves

1.
’Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar – doirada borboleta –
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

’Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias
– Constelações do líquido tesouro...

’Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam n’um abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?...

’Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest’hora
Sentir deste painel a majestade!...
Embaixo – o mar... em cima – o firmamento...
E no mar e no céu – a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! Esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra – é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar – doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço!
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas...

2.
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?...
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de languor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor.
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
– Terra de amor e traição –
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos do Tasso,
Junto às lavas do Vulcão!

O Inglês – marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou –
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando orgulhoso histórias
De Nelson e de Aboukir.
O Francês – predestinado –
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!...

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
... Nautas de todas as plagas!
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu...

Fonte: Alves, C. 1990. Poemas, 8a edição. RJ, Agir. O poema todo é composto de seis seções (o trecho acima corresponde às duas primeiras) e foi originalmente publicado em 1883.

29 março 2007

Abolição da servidão na Rússia


Alphonse [Alfons] Mucha (1860-1939). The abolition of serfdom in Russia. 1914.


Fonte da foto: Olga’s Gallery.

Pai grande

Milton Nascimento

Meu pai grande
inda me lembro
e que saudade de você
dizendo eu já criei seu pai
hoje vou criar você
inda tenho muita vida pra viver

Meu pai grande
quisera eu ter sua raça pra contar
a história dos guerreiros
trazidos lá do longe
trazidos lá do longe
sem sua paz

De minha saudade vem você contar
De onde eu vim
é bom lembrar
todo homem de verdade
era forte e sem maldade
podia amar, podia ver
todo filho seu seguindo os passos
e um cantinho pra morrer

Pra onde eu vim
não vou chorar
já não quero ir mais embora
minha gente é essa agora
se estou aqui
trouxe de lá
um amor tão longe de mentiras
quero a quem quiser me amar

Fonte: álbum Milton (1970), de Milton Nascimento.

28 março 2007

O armário da infância

Tatiana Rocha

Meu mundo era coberto de riso e música.

Todos os domingos o velho Akai de rolo de meu pai gemia alto as vozes de Chico, Bethânia, Noel. Todos os sambas que carrego comigo soaram naquele velho Akai.

Violão, cavaquinho, bandolim, minha mãe com sua suave voz de contralto, meu pai, magro e alto, controlava sua orquestra caseira só com olhares. Eu sentia que ele queria que eu fizesse aquela parte, que soltasse a nota mais aguda. E eu uivava pra lua, feliz da vida. Meu irmão penava para controlar as variações naturais da voz. Mas insistia e mais uma voz se fazia ouvir. Minha irmã, pequenina de dar dó, sacudia o que para ela era um lindo caxixi e ninguém contava que o que ele balançava era um caixinha de fósforos simples e singela. E tua soava lindo...

Um dia meu pai morreu e levou com ele a vontade de cantar.

Foram meses de silêncio triste.

Minha varanda, sempre tão povoada de música, ficou melancólica e solitária e os instrumentos abandonados no fundo de um armário. Eles também sentiam no corpo a ausência. O silêncio pesava em todos nós. Aquele armário guardava a alma de meu pai. Parecia que a chave velava a lembrança, como que, se abríssemos a porta, toda a música que existia em nossa casa subiria aos céus, como fumaça mágica, levando com ela a alma de meu pai. Ninguém ousava correr tanto risco. E o silêncio reinava como tirano cruel.

Um dia a nova empregada resolveu fazer uma grande limpeza. Tirou pás e mais pás de poeira, arrancou teia de aranhas, matou famílias inteiras de insetos e, sem saber, tirou os violões do fundo da escuridão, passou lustra-móveis, poliu, fez nascer o brilho outra vez e deixou na sala, encostados em uma parede. São tão bonitos! Judiação esconder, dizia.

Quando eu entrei em casa nem me dei conta que estavam ali. Mas existia uma sensação, uma percepção de que alguém me olhava, me pedia alguma coisa, era um lamento sem som, uma súplica de nem sem onde. Levantei os olhos e vi o menor violão olhando pra mim.

– Me toca.

– Não sei.

– Sabe sim... se lembre

– Não quero. Nunca toquei violão.

– Me salve. Tô no escuro e no silêncio.

Magia.

Durante dois meses não larguei aquele violão. Voltei a velha varanda e perturbei todos com minha insistência.

Aos doze anos descobri o que queria fazer. E fiz.

Hoje carrego um outro violão comigo porque aquele primeiro, aquele que foi de meu pai, foi roubado e eu chorei muito.

Hoje quando sento em uma roda de samba, quando canto as velhas canções de Cartola, Noel, Assis Valente, quando sou voz e luz sinto que, sobre meus ombros, meu pai sorri. Libertamos a sua alma quanto libertamos os instrumentos.

Todos meus irmãos tocam violão, meu sobrinho toca violão, meu filho começa a dedilhar. Cada um carrega um pedaço do meu pai em si. E quando eu vejo isso, sinto por sobre meus ombros, suas mãos, e sua voz vibra em meus ouvidos: eu estou aqui, minha filha, eu estou aqui.

E rio porque descobri como me perpetuar na eternidade.

Descobri como se vence a morte.

Cantando
.

Fonte: texto publicado no sítio Tatiana Rocha e republicado aqui com o devido consentimento da autora, a quem agradeço pela cortesia.

Wooden ships

Paul Kantner, Stephen Stills & David Crosby

If you smile at me, I will understand

’Cause that is something everybody everywhere does in the same language.

I can see by your coat, my friend,

You’re from the other side,

There’s just one thing I got to know,

Can you tell me please, who won?

Say, can I have some of your purple berries?

Yes, I’ve been eating them for six or seven weeks now,

Haven’t got sick once.

Probably keep us both alive.


Wooden ships on the water, very free and easy,

Easy, you know the way it’s supposed to be,

Silver people on the shoreline, let us be,

Talkin’ ’bout very free and easy...


Horror grips us as we watch you die,

All we can do is echo your anguished cries,

Stare as all human feelings die,

We are leaving – you don’t need us.


Go, take your sister then, by the hand,

Lead her away from this foreign land,

Far away, where we might laugh again,

We are leaving – you don’t need us.


And it’s a fair wind, blowin’ warm,

Out of the south over my shoulder,

Guess I’ll set a course and go...


Fonte: álbum triplo (lançado no país em 1989) com a trilha sonora do filme Woodstock (1970). Na época, por motivos legais, a co-autoria de Paul Kantner não foi devidamente creditada.


27 março 2007

Guernica

Murilo Mendes

Subsiste, Guernica, o exemplo macho,
Subsiste para sempre a honra castiça,
A jovem e antiga tradição do carvalho
Que descerra o pálio de diamante.

A força do teu coração desencadeado
Contactou os subterrâneos de Espanha.
E o mundo da lucidez a recebeu:
O ar voa incorporando-se teu nome.


*

Sem a beleza do rito castigado,
Aumentando a comarca da fome,
O touro de armas blindadas
Investiu contra a razão:

Eis que já Picasso o fixou,
Destruindo a desordem bárbara,
Com duro rigor espanhol,
Na arquitetura do quadro.

Fonte: Mendes, M. 2001. Tempo espanhol. RJ, Record. Obra originalmente publicada em 1959. Um exemplo de quadro de Picasso está aqui.

26 março 2007

Raptado

Robert Louis Stevenson

1.
Minhas aventuras começam em certa manhã de junho, no ano da graça de 1751, quando fechei pela última vez a porta da casa paterna. O sol começava a iluminar o cimo das montanhas à hora em que me pus a caminho e, quando cheguei ao presbitério, as névoas, que pela madrugada se estendiam sobre os vales, começavam a esgarçar-se e a desaparecer.

O sr. Campbell, pastor protestante de Essendean , esperava-me no portão do jardim. Perguntou-me se havia comido alguma coisa e, quando respondi que sim, tomou-me gentilmente pelo braço.

– Pois bem, David, irei com você até o vau para colocar-lhe em bom caminho.

E começamos a andar em silêncio.
(...)

2.
Na manhã do segundo dia, percebi do alto de uma colina um vasto terreno que ia descendo para o mar e, ao meio da descida, sobre uma espécie de aresta rochosa, a cidade de Edimburgo, fumegando como um forno.
(...)

3.
Logo ouvi um grande rumor de cadeados e ferrolhos; a porta foi aberta com precaução e tornou a ser fechada após o meu ingresso.

– Vá à cozinha e não toque em nada, ordenou a voz; e, enquanto o misterioso indivíduo repunha as trancas da porta, avancei até a zona onde a luz brilhava.
(...)

Fonte: Stevenson, R. L. 2003. Raptado. SP, Nacional. Obra originalmente publicada em 1886.

25 março 2007

Cada folha, individualmente

Poh Pin Chin

Quem passa
pela estrada
aqui embaixo
a essa hora
do dia
vê apenas
colunas de vapor
e montanhas
de topos esverdeados
em volta do vale.

É preciso subir
para chegar
mais perto
da floresta e então
apreciar melhor
as árvores
que estão de pé,
seus ramos e
as folhas
que as recobrem.

Cada folha,
individualmente.

Pois
não são as folhas
que a névoa fina
toca e molha,
que o sol
ilumina e dilata,
que as mandíbulas
rasgam e cortam?
Não são as folhas
que esverdeiam a floresta?

Não são as folhas
que depois
de secas e soltas
dançam com o vento
e a gravidade
e terminam
sobre a terra
viva e escura
onde a próxima geração
ainda dorme?

24 março 2007

O português


Georges Braque (1882-1963). Le portugais. 1911-1912.

Fonte da foto: The Artchive.

22 março 2007

Quatro mil visitas

F. Ponce de León

Na madrugada desta quinta-feira (22/3), o contador instalado no blogue superou a marca das quatro mil visitas. Nos 10 dias (12 a 21/3) transcorridos desde o balanço anterior (‘Cinco meses no ar’) ocorreram em média 44,5 visitas/dia. Cabe ainda registrar que o Poesia contra a guerra alcançou ontem (21/3) um novo recorde positivo de visitantes únicos em um só dia (56).

21 março 2007

Elegias duinenses

Rainer Maria Rilke

9.
Se é factível cumprir o tempo de existência
como loureiro, de verde um pouco mais escuro
que os outros verdes, e com folhas levemente onduladas
nas bordas (como um sorriso da brisa) –: por que então
ter de ser homem – que se esquiva do destino
e anseia por ele?...

Oh! não porque a felicidade exista, este
precipitado ganho sobre perda iminente. Nem porque se queira
satisfazer uma curiosidade ou exercitar o coração,
que estaria igualmente no loureiro...

Mas sim porque estar-aqui significa muito; porque todas
estas coisas efêmeras, que estranhamente nos concernem, necessitam
de nós, ao que parece. De nós, os mais efêmeros. Uma só vez,
cada uma delas, uma só vez. Uma vez só e nunca mais. E nós
também, uma só vez. Outra, jamais. Mas ter sido isso
uma
vez, uma só vez que seja:
ter sido terrestre não parece revogável.

E assim nos empurramos e queremos realizar
o terrestre, contê-lo em nossas mãos singelas,
o olhar repleto e mudo o coração.
Queremos nele nos transfigurar. – Para ofertá-lo a quem?
Melhor seria guardar tudo, para sempre. Ai, para o outro reino,
que é que se leva? Não a arte de ver
aqui aprendida devagar, nem nada aqui acontecido. Nada.
Não se levam as amarguras. Muito menos os momentos árduos
ou a longa experiência do amor – nada, pois,
do que seja indizível. E mais tarde, entre as estrelas,
para que levá-lo, se elas são ainda mais indizíveis?
Da beira da montanha, tampouco o caminheiro traz
um punhado de terra indizível até o vale; traz, isto sim,
uma pura palavra conquistada, a genciana
amarela e azul. Talvez estejamos aqui para dizer: casa,
ponte, fonte, porta, cântaro, janela, árvore de fruta –
quando muito: coluna, torre... mas para dizer, entende,
oh dizer o que as próprias coisas nunca
pensaram ser no íntimo. Pois não é recôndita
astúcia desta terra calada incitar os amantes
a sentirem como as coisas se encantam umas às outras?
Umbral: que importa, para dois
amantes, desgastarem eles também um pouco o mesmo
velho umbral de porta, como tantos antes
ou tantos depois deles... de leve.

Aqui
é o tempo do dizível, é aqui a sua pátria.
Fala, pois, e proclama. Mais que nunca,
ora perecem as coisas vivíveis, porque
aquilo que as desloca e substitui é um fazer sem alma.
Um fazer sob crostas que por si mesmas vão romper-se
assim que a ação reponte de lá dentro e se imponha outro limite.

Entre os martelos persiste
nosso coração, assim como a língua,
entre os dentes, continua a louvar,
malgrado tudo.

Louva o mundo para o anjo, não o indizível; com ele
não te podes gabar do esplendor do teu sentir; és apenas
um noviço no universo que ele sente com maior sensibilidade.
Mostra-lhe pois a coisa simples que, afeiçoada geração após
geração, vive como se fosse nova, ao alcance da mão, dentro do olhar.
Diz-lhe as coisas. Ele ficará tão pasmo como tu ficaste
com o cordoeiro de Roma e o oleiro do Nilo.
Mostra-lhe quão ditosa, quão sem culpa e nossa uma coisa pode ser;
como até a mágoa lastimosa se resolve numa forma pura
e serve como coisa e morre numa coisa – e se evade feliz
do violino para o além. E tais coisas, que vivem
do perecer, compreendem que as celebres; efêmeras,
crêem que nós, os mais efêmeros, podemos salvar.
Querem que em nosso invisível coração as transformemos –
oh infinitamente – em nós. No que possamos ser ao fim e ao cabo.

Não é isso que desejas, Terra: invisivelmente
renascer em nós? – Não é o teu sonho
ser invisível algum dia? Invisível, Terra!
Se não for metamorfose, qual tua missão inexorável?
Terra, amada, oh eu quero. Não é mais preciso, crê,
que as tuas primaveras me conquistem –, uma,
ah, uma só já é demasiada para o sangue.
Desde longe, obscuro, eu me entreguei a ti.
Estiveste sempre certa e tua sacra inspiração
é a familiaridade da morte.

Vê, eu vivo. De quê? Nem a infância nem o futuro minguam...
Inúmera, a existência
transborda-me do coração.


Fonte: Rilke, R. M. 1993. Poemas. SP, Companhia das Letras. A obra toda (também referida como “Elegias de Duíno”) consta de 10 elegias e foi originalmente publicada em 1923.

20 março 2007

O trem tá feio

Murilo Antunes (*)

Disse que aqui mais nada é de graça, nada é de coração
Vamos num tal de toma-de-lá dá-cá, minha nega eu pago pra ver
Ver por debaixo o osso do angu

Disse que aqui mais nada tem troco, tudo o que vai não vem
Perdem bodoque, facão, corneta, quebra a defesa nega fulô
Que o trem tá feio e é bem por aqui

Meu facão guarani quebrou na ponta, quebrou no meio
Eu falei pra morena que o trem tá feio, iá, iê, iá, oiá

E a cana-caiana eu disse a raiva, carne de sol
Palha, forró e fumo de rolo, tudo é motivo pra meu facão
Arma de pobre é fome, é facão
Abre semente, aperta inimigo, espeta até gavião
Corta sabugo e lança um desafio, não conta nem até três
Que o trem tá feio e é bem por aqui

Meu facão guarani...

(*) A partir de folclore brasileiro. Fonte: álbum Gotas d’água (1975), de Simone.

19 março 2007

Divisão silábica

Celso Pedro Luft

A partição dos vocábulos – para escansão silábica ou no fim da linha (translineação) – deve-se fazer pelas sílabas pronunciadas, e não pelos elementos morfológicos. É uma separação fonético-prosódica, e não morfológica nem etimológica.

Princípio geral – Separam-se as letras pelas sílabas, nunca partindo o que se pronuncia no mesmo impulso de voz.

Normas particulares – 1) Nunca se partem ditongos (decrescentes ou crescentes) nem tritongos: flui-do, herói-co, pães, pões, ciên-cia, sá-bio; sa-guão, sa-guões, U-ru-guai

2) Encontro de duas consoantes (que não estejam no caso 4), de vogais que formem hiato, se partem pelo meio: as-sar, con-vic-ção, dig-no, ter-ra, a-in-da, ca-iu, co-o-pe-rar, sa-ir, vi-vi-eis, etc.

3) Encontros de mais de duas consoantes se partem antes da última consoante, ou antes de encontro consonantal perfeito (i.e., terminado em l ou r): ist-mo, tungs-tê-nio, cir-cuns-cre-ver, am-plo, com-prar, etc.

4) Consoantes iniciais e isoladas (intervocálicas), encontros consonantais iniciais e perfeitos (terminados em l ou r), ch, lh, nh, gu, qu – formam sílaba com a vogal seguinte: ba-se; bi-sa-vô; gno-mo, tche-co; a-bra-sar, a-blu-ção; a-char, in-char, fi-lho, ga-nhar, ne-gue, a-guar-dar, a-que-cer, cin-qüen-ta, e-qua-ção

Exceção: bl, br, dl nem sempre formam encontro perfeito, devendo separar-se nos seguintes casos: ab-leg… (terminação vária), ab-rup… (id.), ad-leg…, ad-lig…, sub-la…, sub-le…, sub-lin…, sub-lo… e sub-lu...

Observações – 1) Nunca partir o vocábulo de tal forma que no fim ou no começo da linha figure palavra obscena ou ridícula.

2) Caso coincida um hífen com a partição da palavra, não é preciso repetir aquele sinal no início da linha seguinte.

Luft, C. P. 1985. Novo guia ortográfico, 16a edição. Porto Alegre, Editora Globo.

18 março 2007

Festival de flores


Diego Rivera (1886-1957). Festival de las flores. 1925.

Fonte da foto. Olga’s Gallery.

17 março 2007

Chão de giz

Zé Ramalho

Eu desço dessa solidão
Espalho coisas sobre um chão de giz
Há meros devaneios tolos a me torturar
Fotografias recortadas em jornais de folhas
Amiúde,
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes
Eu vou te jogar
Num pano de guardar confetes

Disparo balas de canhão, é inútil
Pois existe um grão-vizir
Há tantas violetas velhas
Sem um colibri
Queria usar quem sabe
Uma camisa de força, ou de vênus
Mas não vão gozar de nós
Apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom

Agora pego um caminhão
Na lona vou a nocaute outra vez
Pra sempre fui acorrentado
No seu calcanhar
Meus vinte anos de “boy”
“that’s over, baby” – Freud explica

Não vou me sujar
Fumando apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar
Gastando assim o meu batom

Quanto ao pano dos confetes
Já passou meu carnaval
E isso explica porque o sexo
É assunto popular

No mais estou indo embora

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Zé Ramalho (1978), de Zé Ramalho.

16 março 2007

Da poesia moderna

Wallace Stevens

O poema da mente no ato de encontrar
O que satisfaz. Nem sempre foi preciso
Procurar: o palco estava pronto; bastava repetir
O roteiro.

Então o teatro transformou-se
Em outra coisa. Seu passado era um souvenir.
Tem que estar vivo, aprender a falar do lugar.
Tem que encarar os homens desse tempo e buscar
As mulheres desse tempo. Tem que pensar na guerra
E achar o que satisfaz. Tem que construir
Um palco novo. Tem que subir nesse palco
E, como um ator insaciável, lentamente e
Com meditação, falar ao pé do ouvido,
No mais sutil ouvido da mente, repetir,
Exatamente, o que ele quer ouvir, ao som
Do qual uma platéia invisível escuta
Não a peça, e sim ela própria, expressa
Numa emoção como de duas pessoas, duas
Emoções virando uma só. O ator
É um metafísico no escuro, tangendo
Um instrumento, uma corda rija que gera
Sons que traspassam súbitas certezas, que contêm
A mente toda, aquém da qual descer não pode,
Além da qual não quer subir.

Tem que ser
A descoberta da satisfação, talvez
Um homem patinando, uma mulher que dança ou
Se penteia. O poema no ato da mente.

Fonte: Stevens, W. 1987. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema originalmente publicado em 1942.

15 março 2007

O Príncipe Feliz

Oscar Wilde

Na parte alta da cidade, no topo de uma certa colina, ficava a estátua do Príncipe Feliz. Era toda dourada com finíssimas folhas de ouro refinado, seus olhos duas safiras brilhantes, e um grande rubi fulgurava no punho de sua espada.

O príncipe era verdadeiramente admirado.

– Ele é bonito como um cata-vento – comentou um dos Conselheiros da Cidade, que queria ficar famoso por gostar das artes. – Só que não é tão útil – acrescentou logo, com medo que o povo o julgasse pouco prático, o que não era verdade, aliás.

– Por que você não pode ser igual ao Príncipe Feliz? – perguntou uma mãe sensata a seu filhinho que estava chorando porque queria a lua – O Príncipe Feliz jamais sonha em chorar pelo que quer que seja.

– Alegro-me que haja alguém no mundo que seja inteiramente feliz – resmungou um homem desencantado ao olhar para a maravilhosa estátua.

– Ele é igualzinho a um anjo – disseram os meninos do Orfanato ao sair da catedral vestindo suas capas vermelho vivo e seus aventais brancos.

– Como é que você sabe? – disse o Professor de Matemática. – Você nunca viu um deles.

– Ah, vimos, sim, em nossos sonhos – responderam as crianças.

Então o Professor de Matemática franziu o cenho e ficou muito severo, pois não aprovava essa história de criança sonhar.
(...)


Fonte: Wilde, O. 2001.
Histórias de fadas: textos escolhidos. RJ, Nova Fronteira. Obra originalmente publicada em 1888.

The logical song

Roger Hodgson

When I was young, it seemed that life was so wonderful,

a miracle, oh it was beautiful, magical.
And all the birds in the trees, well they’d be singing so happily,

joyfully, playfully, watching me.


But then they sent me away to teach me how to be sensible,

logical, responsible, practical.

And they showed me a world where I could be so dependable,

clinical, intellectual, cynical.


There are times when all the world’s asleep,

the questions run too deep

for such a simple man.

Won’t you please, please tell me what we’ve learned

I know it sounds absurd

but please tell me who I am.


Now watch what you say or they’ll be calling you a radical,

a liberal, fanatical, criminal.

Won’t you sign up your name, we’d like to feel you’re

acceptable, respectable, presentable, a vegetable!


At night, when all the world’s asleep,

the questions run…


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Breakfast in America (1979), do Supertramp.

14 março 2007

Cidade

Sophia de Mello Breyner Andresen

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida

E que arrastas pela sombra das paredes

A minha alma que fora prometida

Às ondas brancas e às florestas verdes.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1944.

13 março 2007

Mulheres de Argel


Eugène Delacroix (1798-1863). Femmes d’Alger dans leur appartement. 1834.

Fonte da foto: Académie de Strasbourg.

12 março 2007

Cinco meses no ar

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/3, o Poesia contra a guerra completa exatos cinco meses no ar. Ao final do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que desde o início um total de 3.554 visitas havia sido registrado.

Do balanço anterior para cá, foram cerca de 33,9 visitas/dia. Nesse período, alcançamos também um novo recorde positivo de visitação: 53 visitantes exclusivos, em 26/2. O mesmo dia, aliás, em que ultrapassamos a marca das três mil visitas.

Ao longo do último mês, foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Affonso Romano de Sant’Anna, Alberto da Cunha Melo, Álvares de Azevedo, Ashley Montagu, Emily Dickinson, Eric Woolfson, George Harrison, Georges Ifrah, Maiakóvski, Malba Tahan, Mark Twain, Matt Ridley, Maurice Druon, Olavo Bilac, Paulinho Pedra Azul, Patativa do Assaré, Robert Burns, T. S. Eliot, Walt Whitman, William Shakespeare, xenïa antunes e Zulmira Ribeiro Tavares.

Todos esses e mais alguns autores que já haviam sido publicados em meses anteriores. Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguinte pintores: Edgar Degas, Édouard Manet, Joan Miró, Pierre-Auguste Renoir e Wassily Kandinsky.

A um piolho

Robert Burns

1.
Oh! onde vais, criaturinha rastejante?
Tua impudência te protege fortemente,
Só te posso dizer que estranhamente
Andas em gaze e renda,
Embora, oh Deus! tema que hás de jantar
Num tal lugar.

2.
Oh tu, animalito feio, malfazejo e andejante,
Detestado, desprezado por pecadores e santos!
Numa dama tão fina, como ousas
Pousar o pé!
Some daqui e procura teu jantar
Na tua ralé.

3.
Fora! vai rastejar nas têmporas de um mendigo,
A arrastar, estirar e escarrapachar as patas
Pulando no gado, entre teus semelhantes,
Em grupos ou enxames;
Onde chifre ou osso jamais perturbarão
Tua vasta plantação.

4.
Agora, queda-te aí! estás fora de vista,
Firme e confortável sob os ornamentos;
Não, por minha fé, não ficarás contente
Enquanto não te alçares
Ao píncaro, ao ponto mais elevado
Do chapéu de madame.

5.
Homessa! ousas mostrar o focinho,
Como uma groselha, cinzento e roliço:
Oh, uma pasta mercurial e pestífera,
Ou algum pó vermelho mortífero
Em tal dose te daria, que a catinga
Do teu traseiro consertaria!

6.
Surpresa não me faria te encontrar
Na touca de flanela de uma velha;
Ou talvez nalgum moleque maltrapilho
Em sua jaqueta;
Mas no elegante Lunardi de madame pousar?!
Como ousas? Fora!

7.
Oh, Jenny, não vira tua cabeça
A pavonear e exibir tua beleza!
Mal imaginas a maldita presteza
Com que este ínfimo ser rasteja!
E já de seus olhos odientos e agudas garras
Começas a te aperceber!

8.
Oh, se algum Poder nos concedesse
Vermo-nos a nós como nos vêem!
Nos livraríamos de tantos vexames,
E tão falsas impressões:
Sem mais nos exibir com gestos e roupagens,
Até nas devoções!


Fonte: Burns, R. 1994. 50 poemas. RJ, Relume Dumará. Poema – cujo subtítulo é “On seeing one on a lady’s bonnet at church” – originalmente publicado em 1786.

11 março 2007

Um estado muito interessante

Zulmira Ribeiro Tavares

Conheço o meu país
no escuro – pelo tato.
E se me amarram as mãos nas costas
conheço pelo cheiro.
E se me tapam o nariz
ainda assim conheço o meu país
pelo que dele sobra
à minha volta.

Não conheço o meu país pela boca.
Não conheço o meu país pelos ouvidos.
Não conheço o meu país pelos olhos.

O que a boca solta o ouvido não encontra,
o papel não grava, o olho não recorta.

Conheço o meu país
mas não o conheço de dentro.
Também não o conheço de fora.
Conheço-o de lado.
Quer dizer que o conheço
sem relevo.

Muito curioso esse país rasante
como um vôo rasteiro.

Meu país bicho-de-concha
para dentro de sua casca
sem contorno.

Muito curioso esse país no escuro
sem local exato de pouso
para os dedos.

Muito curioso esse país de cheiros
sem apoio.

Muito curioso
e muito interessante.

O termo é este.

Um país interessante
é como uma mulher em estado interessante?

Uma mulher em estado interessante
sempre acaba
em trabalho de parto?

inevitavelmente? não há outra saída
além daquela prevista na barriga?

Um país muito barrigudo
é uma mulher inchada –
de basófia ou filhos?

A comparação não cabe, entre pessoas
estados, de corpo, alma
e federativos?

Ou cabe até demais?

É isto mesmo.

Tudo cabe em um país.

Ou não?

Como tirar a dúvida?
Por exclusão
do que primeiro?

estados? almas? pessoas?
o que fica? sobra? federação? filhos?

O que faço
se não controlo as respostas
pela boca; assobio?

Deixo passar em brancas nuvens
o que o olho não viu
se tinha cores?

Por que não me conformo
pelo meu país a gastar menos.
a só usar uma narina e um dedo?

Por que o anseio
de vir a conhecer a raiz dos cheiros
relevos posição dos corpos mares rios
rotas ares esquadrias?

Tão sentimental vou indo
olhos de leitura sem legenda
e boca sem sentenças

indo estou voltando
ao ponto de partida.

No escuro meu país é simples.
Dois sentidos bastam.
E sobram.

Sem nenhum sentido
meu país teria
a mais perfeita ordem.

Fonte: Hollanda, H. B., org. 2001 [1976]. 26 poetas hoje, 4a edição. RJ, Aeroplano.

10 março 2007

As aventuras de Tom Sawyer

Mark Twain

1.
– Tom!

Não houve resposta.

– Tom!


Ninguém respondeu.

– Estou curiosa para saber onde se meteu esse menino. Tom! Silêncio total.

A velhota abaixou os óculos e, por cima deles, olhou ao redor do quarto; tornou a puxá-los para cima e olhou através deles. Raramente ou nunca, precisava de óculos para procurar alguma coisa, mas este par era o de luxo, o seu orgulho; serviam apenas como ornamento, pois via tão bem por eles como através das portas do fogão. Durante um momento pareceu indecisa, e por fim disse, não muito alto, o suficiente forte para os móveis a ouvirem:

– Se eu pego você, eu...

Não acabou, porque nesse momento estava curvada dando vassouradas debaixo da cama, e se continuasse a falar o ar lhe faltaria. A única coisa que apareceu foi o gato.
(...)

2.
Chegou a manhã de sábado. Era a época do verão. Tudo estava fresco, brilhante e cheio de vida. Havia uma cantiga em cada coração, e, se este era jovem, essa cantiga vinha até os lábios. Todos se mostravam contentes e andavam com desembaraço. As alfarrobeiras estavam em flor, e seu perfume enchia o ar. O monte Cardiff, a cavaleiro da aldeia, estava coberto de vegetação e ficava precisamente à distância necessária para tomar o aspecto de uma terra de promissão, convidativa, cheia de sonhos e tranqüilidade.

Tom apareceu na calçada perto de casa, com um balde de cal e um pincel de cabo comprido. Olhou para a cerca e toda a alegria do seu espírito deu lugar à mais profunda melacolia. Eram trinta jardas de cerca com dois ou três metros de altura. A vida parecia-lhe sem sentido e a existência nada mais do que um fardo. Suspirando, meteu o pincel na cal e passou-o ao longo da tábua mais alta. Repetiu a operação uma e outra vez; comparou a pequena tira caiada com a enorme superfície restante por caiar e sentou-se desanimado no tronco de uma árvore.
(...)

3.
Tom aproximou-se de tia Polly, que estava sentada perto de uma janela dos fundos da casa; essa janela era a de um aposento que servia ao mesmo tempo de quarto de dormir, de sala de jantar e de biblioteca. O sol forte de verão, a tranqüilidade do momento, o aroma das flores e o monótono zumbido das abelhas tinham as suas conseqüências: cochilava sobre o seu trabalho de tricô, tendo o gato como única companhia, adormecido no regaço. Puxara os óculos para a cabeça, julgando-os assim mais seguros. Pensara que Tom devia ter se afastado havia muito, e ficou deveras surpreendida ao vê-lo aparecer e apresentar-se desse modo:

– Agora posso ir brincar, titia?

– O quê? Já terminou todo o trabalho?

– Está tudo pronto, titia.

– Não minta, Tom. Bem sabe que não suporto isso.

– É verdade, titia, está tudo pronto.
(...)

Fonte: Twain, M. 2002. As aventuras de Tom Sawyer. SP, Martin Claret. Obra originalmente publicada em 1876.

09 março 2007

Anjos no quarto

Poh Pin Chin

Se o corpo
não fosse
tão fraco e

de pé
enfrentasse
o sono

que
como sempre
insiste em derrubá-lo

nessa hora
miúda
da noite

aqui
para sempre
eu permaneceria

a admirá-los
enquanto
dormem e sonham

embalados
pelos cricris
noturnos

que atravessam
a janela
e adentram o quarto

História de Aladim e a lâmpada maravilhosa

Patativa do Assaré

Na cidade de Bagdá
quando ela antigamente
era a cidade mais rica
das terras do Oriente
deu-se um caso fabuloso
que apavorou muita gente

Nessa cidade morava
uma viúva de bem
paciente e muito pobre
não possuía um vintém
dentro da sua choupana
sem falar mal de ninguém

Vivia bem satisfeita
nessa pobreza sem fim
tendo só um filho único
com o nome de Aladim
que apesar de ser travesso
ninguém lhe achava ruim

Aquele belo garoto
tinha um leal coração
mas fugia do trabalho
buscando a vadiação
era a mãe que trabalhava
para fornecer-lhe o pão

Aladim não trabalhava
seu emprego era brincar
e a sua mãe empregada
em uma roca a fiar
atrás de ganhar o pão
para o filho sustentar

Aladim um certo dia
pensando na sua vida
achou que estava fazendo
uma existência perdida
de causar muito desgosto
a sua mamãe querida

Chegando-se a ela disse
um tanto contrariado:
mamãe, perdoe os desgostos
que eu já tenho lhe causado
garanto que hoje em diante
hei de viver empregado

Saiu em busca da praça
atrás de colocação
agradou muito à viúva
aquela resolução
deu-lhe naquele momento
a sua santa benção

Da África tinha chegado
por aquele mesmo ano
um velho misterioso
de aspecto desumano
a quem o povo chamava:
“O Feiticeiro Africano”

Era um grande necromante
que de tudo conhecia
com o segredo da arte
de sua feitiçaria
viu que perto de Bagdá
um grande tesouro havia

Fonte: Assaré, P. 2002. História de Aladim e a lâmpada maravilhosa. RJ, Objetiva. A obra toda é composta por 134 estrofes (o trecho acima corresponde às 10 primeiras) e foi originalmente publicada em 1976.

08 março 2007

Fazenda


Joan Miró (1893-1983). The farm. 1921-22.

Fonte da foto: Olga's Gallery.

Porque não tinha tempo para a Morte

Emily Dickinson

Porque não tinha tempo para a Morte
Ela gentil veio buscar-me –
A Carruagem só levou nós Duas –
E a Imortalidade.

Fomos sem pressa – a Morte não tem pressa
E por dever de Cortesia
Eu tinha posto o meu Lazer de lado
E o Afã do dia-a-dia

Passamos pela Escola onde as Crianças
Brincavam no Recreio –
Pelos Campos de Grãos que nos olhavam –
Pelo Sol a esconder-se –

Ou talvez era o Sol que nos passava –
De frio já tremia o Orvalho –
Era uma renda fina meu Vestido –
Tule – meu Agasalho –

Paramos junto de uma Casa que era
Como um monturo ali no Solo –
O Telhado já quase não se via –
A Cornija – no Solo –


Desde então – já faz séculos – e eu acho
Mais longo o Dia – na verdade –
Que as Caras dos Cavalos nos guiavam
Para a Eternidade –

Fonte: Dickinson, E. 2006. Alguns poemas. SP, Iluminuras. Versão desse poema – referido como “Because I could not stop for Death” em função do primeiro verso – foi originalmente publicada em 1890.

07 março 2007

Estão se adiantando

Affonso Romano de Sant’Anna

Eles estão se adiantando, os meus amigos.
Sei que é útil a morte alheia
para quem constrói seu fim.
Mas eles estão indo, apressados,
deixando filhos, obras, amores inacabados
e revoluções por terminar.

Não era isto o combinado.

Alguns se despedem heróicos,
outros serenos. Alguns se rebelam.
O bom seria partir pleno.

O que faço? Ainda agora
um apressou seu desenlaçe.
Sigo sem pressa. A morte
exige trabalho, trabalho lento
como quem nasce.

Fonte: Sant’Anna, A. R. 1993. O lado esquerdo do meu peito, 2a edição. RJ, Rocco.

Money talks

Eric Woolfson

Money don’t grow on a money tree
The more you take leave the less for me

Money don’t buy what you really need

It make an iceman cry, a stone man bleed


But when you get right down to it, no matter who you are

It rules your life like a virgin queen

One day you might get over it, but in the meantime

It rules the world like a green machine


In the bank, in a box, money talks

In the black, on the rocks, money talks, money talks


Money don’t lose in the money game

It drags you down like a ball and chain

So money don’t come with a guarantee

It make a fool of you, it make a fool of me


But when you get right down to it, no matter what you say

It ties you down but it can set you free

Some day you might get over it, but in the meantime

It burns you up in the first degree


Moscow, Bangkok, money talk

Park Lane, Boardwalk, money talk


But when you get right down to it, no matter what you try

You deal the cards, give the wheel a spin

One day you might get over it but everybody knows

It’s heads you lose and it’s tails they win

Don’t have too much to show for it, that’s the way it goes

You roll the dice and they cash you in


Pinball, jukebox, money talks

Redskins, White Sox, money talks

Billboard, Cashbox, money talks

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Gaudi (1987), do The Alan Parsons Project.

06 março 2007

As causas da guerra

Ashley Montagu

As guerras modernas não são feitas por nações ou povos, nem por homens num estado de agressividade possuídos por um instinto territorial. As guerras geralmente são criadas por alguns indivíduos em posições de grande poder, “grandes líderes”, estadistas “sérios” e “respeitados”, geralmente assessorados pelos “melhores e mais brilhantes”, quase sempre com calma e deliberação, e com a pretensão ou mesmo a convicção de completa retidão moral. Os generais, longe das frentes de batalha, emitem ordens para a aniquilação do “inimigo” sem mais agressividade ou emoção do que ordenam ao jardineiro de suas casas que apare um pouco mais a grama. O “combatente” atira ou deixa cair suas bombas sobre um “inimigo” que dificilmente chega a ver, em relação ao qual sua desvinculação emocional dificilmente poderia ser maior. Ele está engajado em “hostilidades” em que não existe inimizade emocional, e em comportamentos “agressivos” em que não existe qualquer sentimento de agressividade. Seu comportamento é dirigido pelo Estado, e não pelo instinto, contra o inimigo. (...) Os inimigos são designados e os súditos são chamados para demonstrar sua lealdade. (...)

O biólogo francês Jean Rostand afirmou: “Na guerra, o homem é muito mais uma ovelha que um lobo. Ele segue, obedece. Guerra é servilismo, mais precisamente um certo fanatismo e credulidade, mas não agressividade”.

Bernard Brodie, (...), assinalou que a guerra é uma vazão muito pobre para a raiva ou a agressividade humana. É demasiado perigosa e custosa, e o inimigo é demasiado impessoal e remoto. A agressividade e a raiva são extravasadas imediatamente de maneira mais adequada sobre pessoas próximas, visíveis e tangíveis. (...) A agressividade busca um alívio imediato contra determinado alvo. As máquinas de guerra tornam débil ou deficiente qualquer agressividade que pudesse estar presente. A verdade é que, em termos de motivação, e este é talvez o maior de todos os paradoxos, a guerra representa uma das formas menos agressivas de comportamento humano. Um Estado não é uma criação natural, e sim uma entidade artificial, e é como entidade artificial que o Estado empreende a guerra, com armas artificiais, a partir de motivos artificiais, com objetivos artificiais, e conduzida com finalidades artificiais.
(...)

Fonte: Montagu, A. 1978. A natureza da agressividade humana. RJ, Zahar.

05 março 2007

A terra desolada

T. S. Eliot

1.
Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias de Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.

Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.

Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

Frisch weht der Wind

Der Heimat zu

Mein Irisch Kind,

Wo weilest du?


“Um ano faz agora que os primeiros jacintos me deste;
Chamavam-me a menina dos jacintos.”
– Mas ao voltarmos, tarde, do Jardim dos Jacintos,
Teus braços cheios de jacintos e teus cabelos úmidos, não pude
Falar, e meus olhos se enevoaram, eu não sabia
Se vivo ou morto estava, e tudo ignorava
Perplexo ante o coração da luz, o silêncio.
Oed’ und leer das Meer
.

Madame Sosostris, célebre vidente,
Contraiu incurável resfriado; ainda assim,
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa,
Com seu trêfego baralho. Esta aqui, disse ela,
É tua carta, a do Marinheiro Fenício Afogado.
(Estas são as pérolas que foram seus olhos. Olha!)
Eis aqui Beladona, a Madona dos Rochedos,
A Senhora das Situações.
Aqui está o homem dos três bastões, e aqui a Roda da Fortuna,
E aqui se vê o mercador zarolho, e esta carta,
Que em branco vês, é algo que ele às costas leva,
Mas que a mim proibiram-me de ver. Não acho
O Enforcado. Receia morte por água.
Vejo multidões que em círculos perambulam.
Obrigada. Se encontrares, querido, a Senhora Equitone,
Diz-lhe que eu mesma lhe entrego o horóscopo:
Todo o cuidado é pouco nestes dias.

Cidade irreal,
Sob a fulva neblina de uma aurora de inverno,
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,
Jamais pensei que a morte a tantos destruíra.
Breves e entrecortados, os suspiros exalavam,
E cada homem fincava o olhar adiante de seus pés.
Galgava a colina e percorria a King William Street,
Até onde Saint Mary Woolnoth marcava as horas
Com um dobre surdo ao fim da nona badalada.
Vi alguém que conhecia, e o fiz parar, aos gritos: “Stetson,
Tu que estiveste comigo nas galeras de Mylae!
O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim
Já começou a brotar? Dará flores este ano?
Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?
Conserva o Cão à distância, esse amigo do homem,
Ou ele virá com suas unhas outra vez desenterrá-lo!
Tu! Hypocrite lecteur! – mon semblable –, mon frère!”

Fonte: Eliot, T. S. 1981. Poesia, 6a edição. RJ, Nova Fronteira. O poema todo compõe-se de cinco seções (o trecho acima corresponde à primeira, intitulada “O enterro dos mortos”) e foi originalmente publicado em 1922.

04 março 2007

Trem de ferro

Manuel Bandeira

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora

Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Estrela da vida inteira (1986), de Olivia Hime. Poema originalmente publicado em 1936.

Soy libre

Atahualpa Yupanqui

Unos ojos estoy viendo,

Por esos ojos me muero.

Soy libre ¡Soy bueno!

Y puedo querer.


Me han dicho que tiene dueño,

Y así, con dueño, los quiero.

Soy libre ¡Soy bueno!

Y puedo querer.


Quisiera cruzar el río

Sin que me sienta la arena.

Soy libre ¡Soy bueno!

Y puedo querer.


Al diablo ponerle grillos,

Y al amor unas cadenas.

Soy libre ¡Soy bueno!

Y puedo querer.

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Gracias a la vida (1976), do grupo Tarancón.

03 março 2007

De onde vêm os algarismos?

Georges Ifrah

Este livro começou pelas perguntas de crianças. Eu ensinava matemática e, como todo bom pedagogo, esforçava-me por não deixar nenhuma interrogação, por mais estranha ou ingênua que parecesse, sem resposta. A inteligência nutre-se freqüentemente da curiosidade.

Aquela manhã o estudo dos sistemas de numeração estava na ordem do dia. Um curso conscientemente preparado obrigava-me então a explicar, ponto por ponto, a impecável maneira que temos de escrever os números mediante algarismos arábicos e a mostrar, na mesma ocasião, a possibilidade teórica de passar da dezena a uma outra base sem por isso modificar as propriedades dos números nem a natureza das técnicas operatórias que nos são particulares. A gente se preparava, portanto, para um curso de matemática dos mais comuns. Era um desses cursos que seria dado para você em qualquer liceu da França e que os professores repetem infatigavelmente cada ano desde que existe essa honrosa instituição que se chama o Ensino Secundário.

Só que, para seu modesto servidor, a Providência, ou antes, a Inocência não quis que esse dia fosse inteiramente como os outros! Alguns alunos – que se esperaria não encontrar todos os dias no caminho, posto que o contato com eles pode metamorfosear sua existência – lançaram-me suas dúvidas mais intestinas. Colocaram-me questões tão simples que por um instante fiquei sem voz: “Senhor, de onde vêm os algarismos? – Quem inventou o zero?”

De onde vêm os algarismos, com efeito? Esses símbolos tão cotidianos que nos parecem comumente tão evidentes que temos a impressão – bem enganadora – de que apareceram de uma vez só como o presente acabado de um deus ou herói civilizador. A questão era desconcertante e confesso nunca tê-la colocado para mim mesmo:

– Eles vêm de... da noite dos tempos – respondi com muita hesitação, mal disfarçando minha ignorância.
(...)

Fonte: Ifrah, G. 1997. História universal dos algarismos, vol. 1. RJ, Nova Fronteira.

02 março 2007

O iceberg imaginário

Elizabeth Bishop

Preferimos o iceberg ao navio,
embora isto significasse o fim da viagem.
Embora ele estivesse melancólico, como pedra de nuvem
e todo o mar em volta fosse moção de mármore.
Preferimos o iceberg ao navio;
preferimos esta planície de neve que respira,
embora as velas do navio jazessem no mar
como segue no mar sem dissolver-se a neve.
Campo flutuante, solene, perceberás
que contigo um iceberg repousa,
que a seu despertar pastará as tuas neves?

Por esta cena um marinheiro daria os olhos.
O navio é ignorado. O iceberg sobe
e afunda de novo; seus pináculos de vidro
corrigem elípticas no céu.
Quem dissimular ante esta cena parecerá
artificialmente retórico. A cortina é o suficiente leve
para levantar-se a partir dos fios invisíveis
que as volutas de neve inventam.
As centelhas destas arestas brancas
competem com as do sol. O iceberg invade
com seu peso um cenário cambiante, e pára, e observa.

Este iceberg lapida-se de dentro as faces.
Como jóias deixadas num sarcófago
preserva-se perpetuamente e só a si
enfeita; talvez também o faça a neve
que tanto nos surpreendeu à flor d’água, inteira.
Adeus, dizemos, adeus, o navio se afasta
até onde as ondas a outras ondas cedem passo
e as nuvens correm por um céu mais cálido.
Os icebergs pedem à alma
(ambos se autoproduzem com elementos pouco visíveis)
vê-los assim: corpóreos, puros, eretos, indivisíveis.

Fonte: Bishop, E. 1990. Poesias. SP, Companhia das Letras. Poema originalmente publicado em 1946.

01 março 2007

A estrela


Edgar Degas (1834-1917). L’etoile [La danseuse sur la scene]. 1878.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.


Via-Láctea

Olavo Bilac

1.
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,

Entre as estrelas trêmulas subia

Uma infinita e cintilante escada.


E eu olhava-a de baixo, olhava-a... Em cada

Degrau, que o ouro mais límpido vestia,

Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,

Ressoante de súplicas, feria...


Tu, mãe sagrada! vós também, formosas

Ilusões! sonhos meus! íeis por ela

Como um bando de sombras vaporosas.


E, ó meu amor! eu te buscava, quando

Vi que no alto surgias, calma e bela,

O olhar celeste para o meu baixando...


2.

Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,

Me ouves agora com melhor ouvido:

Toda a ansiedade, todo o mal sofrido

Em silêncio, na antiga desventura...


Hoje, quero, em teus braços acolhido,

Rever a estrada pavorosa e escura

Onde, ladeando o abismo da loucura,

Andei de pesadelos perseguido.


Olha-a: torce-se toda na infinita

Volta dos sete círculos do inferno...

E nota aquele vulto: as mãos eleva,


Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,

Buscando um coração que foge, e eterno

Ouvindo-o perto palpitar na treva.


3.

Tantos esparsos vi profusamente

Pelo caminho que, a chorar, trilhava!

Tantos havia, tantos! E eu passava

Por todos eles frio e indiferente...


Enfim! enfim! pude com a mão tremente

Achar na treva aquele que buscava...

Por que fugias, quando eu te chamava,

Cego e triste, tateando, ansiosamente?


Vim de longe, seguindo de erro em erro,

Teu fugitivo coração buscando

E vendo apenas corações de ferro.


Pude, porém, tocá-lo soluçando...

E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,

E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.


4.

Como a floresta secular, sombria,

Virgem do passo humano e do machado,

Onde apenas, horrendo, ecoa o brado

Do tigre, e cuja agreste ramaria


Não atravessa nunca a luz do dia,

Assim também, da luz do amor privado,

Tinhas o coração ermo e fechado,

Como a floresta secular, sombria...


Hoje, entre os ramos, a canção sonora

Soltam festivamente os passarinhos.

Tinge o cimo das árvores a aurora...


Palpitam flores, estremecem ninhos...

E o sol do amor, que não entrava outrora,

Entra dourando a areia dos caminhos.


5.

Dizem todos: “Outrora como as aves

Inquieta, como as aves tagarela,

E hoje... que tens? Que sisudez revela

Teu ar! que idéias e que modos graves!


Que tens, para que em pranto os olhos laves?

Sê mais risonha, que serás mais bela!”

Dizem. Mas no silêncio e na cautela

Ficas firme e trancada a sete chaves...


E um diz: “Tolices, nada mais!” Murmura

Outro: “Caprichos de mulher faceira!”

E todos eles afinal: “Loucura!”


Cegos que vos cansais a interrogá-la!

Vê-la bastava; que a paixão primeira

Não pela voz, mas pelos olhos fala.


Fonte: Bilac, O. 1985. Poesias. BH, Itatiaia. O poema todo é um conjunto de 35 sonetos (o trecho acima corresponde aos cinco primeiros), originalmente publicado em 1888.

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