02 abril 2007

Elegia

Paulo Teixeira

O futuro não o guardamos em casa, perde-se
disperso entre a meia-noite e a folhagem. Nu,
exposto como uma província além da trincheira
das janelas, fala-nos do ouro puído destes dias,
desse sentido ganho nas coisas que se perdem,
salivando a passagem das horas, sustendo
contra a dor o dreno das nossas vidas.

Lembramos os pequenos oráculos da infância,
os sonhos que são memórias já na sua escura
torre do tombo, ao intimarmos, no seu sossego
povoado, a evasiva alma do passado. Buscamos
no ontem a sua recompensa, sabendo que não
há outro homem para o homem deste lugar,

sangue mais limpo correndo pela carne
de quem nasce, a sua genuína morte pastoral.
Eis chegado o tempo da ceifa, dos presságios
de longe trazidos no rumor das trompas outonais.
As palavras, os trémulos ramos das palavras,
pressentem o espírito da revelação em cada coisa.

Assim choramos a festa última dos instantes,
dias de uma neblina fiel cobrem-nos os passos,
obscurecendo essas mãos que gostariam de subir
ao céu como escadas. Se conhecesse a linguagem
fácil do tributo cantaria a queda adivinhada
a tempo de o poema terminar na forma de uma elegia.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1991.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Ora este poema chamou-me à atenção por dois motivos . Primeiro pelo tema, o futuro, é algo com que toda a gente sonha, mas ninguém por mais força que faça, é capaz de o controlar.
O segundo motivo é por se tratar de um poeta português que eu talvez por ignorancia minha nunca tinha ouvido falar.

8/4/07 18:20  

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