15 abril 2007

Os descentrados

Santiago Ramón y Cajal

Se o professorado amiúde não fora entre nós mero escabelo da política ou decoroso reclamo da clientela profissional; se aos nossos candidatos à cátedra se exigissem, em concursos e oposições, provas objetivas de capacidade e vocação, ao invés de provas puramente subjetivas, e, de certo modo, proféticas, abundariam menos esses casos de chocante contradição entre a vocação real e a atividade oficial, entre a função retribuída e a atividade livre. “Uma das causas da prosperidade da Inglaterra, dizia-me um professor de Cambridge, consiste em que, entre nós, cada qual ocupa o seu lugar.” É o contrário do que, salvo honrosas exceções, acontece na Espanha, onde muitos parecem ocupar um posto não para lhe desempenhar as funções, senão para lhe cobrar os proventos e, no mesmo passo, ter o gosto de excluir os aptos.

Quem não recorda generais nascidos para pacíficos burocratas ou juízes de paz; professores de medicina cultivando a literatura ou a arqueologia; engenheiros escrevendo melodramas; patologistas dedicados à moral e metafísicos voltados à política? Resulta disto que, em lugar de consagrar à atividade oficial todas as forças do nosso espírito, lhe prestamos apenas mínima parte e, ainda assim, de má vontade, como a cumprir uma penosa obrigação.
(...)

Fonte: Ramón y Cajal, S. 1979. Regras e conselhos sobre a investigação científica, 3a edição. SP, T. A. Queiroz & Edusp. Obra originalmente publicada em 1922.

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