31 maio 2007

A angústia da influência

Harold Bloom

Este pequeno livro apresenta uma teoria da poesia através de uma descrição da influência poética, ou estória das relações intrapoéticas. Um dos objetivos dessa teoria é de natureza corretiva: acabar com a idealização de nossas versões oficiais de como um poeta ajuda a formar outro. Outro objetivo, também da mesma natureza, é o de procurar desenvolver uma poética que nos leve a uma forma mais adequada e pragmática de crítica.

A história da poesia, segundo a tese deste livro, é considerada como indistinguível da influência poética, já que os poetas fortes fazem a história deslendo-se uns aos outros, de maneira a abrir um espaço próprio de fabulação.

Meu interesse único, aqui, são os poetas fortes, grandes figuras com persistência para combater seus precursores fortes até a morte. Talentos mais fracos são presas de idealizações: a imaginação capaz se apropria de tudo para si. Mas nada vem do nada e a apropriação envolve, portanto, imensas angústias de débito: pois que criador forte jamais desejaria a consciência de não se ter criado a si mesmo? Oscar Wilde, que sabia ter fracassado como poeta, porque não tivera forças para superar sua angústia da influência, sabia também das verdades mais negras com relação a ela. [...] Wilde comenta amargamente, em The portrait of Mr. M. H., que “a influência é simplesmente uma transferência de personalidade, uma maneira de entregar a outro o que se tem de mais precioso; seu exercício produz uma sensação e talvez mesmo a realidade de uma perda. Todo discípulo se apodera de alguma coisa do seu mestre”. Esta é a angústia de influenciar, mas reversão alguma nesta área é uma reversão verdadeira. [...]

Nietzsche e Freud são, a meu ver, as influências primárias sobre a teoria da influência exposta neste volume. Nietzsche é o profeta do antitético, e sua Genealogia da moral é o mais profundo estudo por mim conhecido sobre as tensões revisionárias e ascéticas do temperamento estético. As investigações de Freud sobre os mecanismos de defesa e suas ambivalências oferecem, de sua parte, as analogias mais claras que jamais encontrei para as proporções, ou “razões revisionárias” regendo as relações intrapoéticas. [...] Tanto Nietzsche como Freud subestimaram a poesia e os poetas; um e outro, no entanto, concederam mais força à fantasmagoria do que, na verdade, possui. Também eles, a despeito de seu realismo moral, superidealizaram a imaginação. O poeta Yeats, discípulo de Nietzsche, e um discípulo de Freud, Otto Rank, exibiram maior consciência da batalha do artista contra a arte, e da relação entre esta luta e o embate antitético do artista contra a natureza.
[...]

Fonte: Bloom, H. 1991. A angústia da influência. RJ, Imago.

30 maio 2007

Terreno baldio com casas


Lucian Freud (1922-). Wasteground with houses, Paddington.
1970-2.

Fonte da foto: Ciudad de la pintura.

29 maio 2007

Inverno

Jorge de Lima

Zefa, chegou o inverno!
Formigas de asas e tanajuras!
Chegou o inverno!
Lama e mais lama,
chuva e mais chuva, Zefa!
Vai nascer tudo, Zefa,
Vai haver verde,
verde do bom,
verde nos galhos,
verde na terra,
verde em ti, Zefa,
que eu quero bem!
Formigas de asas e tanajuras!
O rio cheio,
barrigas cheias,
mulheres cheias, Zefa!
Águas nas locas,
pitus gostosos,
carás, cabojés,
e chuva e mais chuva!
Vai nascer tudo:
milho, feijão,
até de novo
teu coração, Zefa!
Formigas de asas e tanajuras!
Chegou o inverno!
Chuva e mais chuva!
Vai casar tudo,
moça e viúva!
Chegou o inverno
Covas bem fundas
pra enterrar cana;
cana caiana e flor de Cuba!
Terra tão mole
que as enxadas
nelas se afundam
com olho e tudo!
Leite e mais leite
pra requeijões!
Cargas de imbu!
Em junho o milho,
milho e canjica
pra São João!
E tudo isto, Zefa...
E mais gostoso
que isso tudo:
noites de frio,
lá fora o escuro,
lá fora a chuva,
trovão, corisco,
terras caídas,
corgos gemendo,
os caborés gemendo,
os caborés piando, Zefa!
Os cururus cantando, Zefa!
Dentro da nossa
casa de palha:
carne de sol
chia nas brasas,
farinha d’água,
café, cigarro,
cachaça, Zefa...
... rede gemendo...

Tempo gostoso!
Vai nascer tudo!
Lá fora chuva,
chuva e mais chuva,
trovão, corisco,
terras caídas
e vento e chuva,
chuva e mais chuva!
Mas tudo isso, Zefa,
vamos dizer,
só com os poderes
de Jesus Cristo!

Fonte: Lima, J. 1997. Jorge de Lima: poesia, 5a edição. RJ, Agir. Poema originalmente publicado em 1929.

28 maio 2007

Get together

Chet Powers

Love is but a song we sing

and fear’s the way we die.

You can make the mountains ring

or make the angels cry.

Though the bird is on the wing

and you may not know why.


C’mon people, now

smile on your brother,

ev’rybody get together,

try to love one another right now.


Some will come and some will go

and we shall surely pass.

When the one that left us here

returns for us at last.

We are but a moment’s sunlight

fading in the grass.


C’mon people…


If you hear the song we sing

you will understand.

You hold the key to love and fear

in your trembling hand.

Just one key unlocks them both,

it’s there at your command.


C’mon people…

Fonte: álbum com a trilha sonora do filme 1969 (1988). Canção – também conhecida como “Let’s get together” – originalmente gravada em 1963.

27 maio 2007

Gotas de chuva sobre folha

Poh Pin Chin

Cai
Cai
Cai
Junta

Cai
Junta

Cai
Cai
Escorre

Cai
Escorre

Cai
Cai
Junta

Cai
Junta

... ... ...

Seca

26 maio 2007

O enigma da hora


Giorgio de Chirico (1888-1978). The enigma of the hour.
1911.

Fonte da foto: Ciudad de la pintura.


25 maio 2007

Menino de cidade

Paulo Mendes Campos

Papai, você deixa eu ter um cabrito no meu sítio?

Deixo.

E porquinho-da-índia? E ariranha? E macaco? E quatro cachorros? E duzentas pombas? E um boi? Um rinoceronte?

Rinoceronte não pode.

Tá bem, mas cavalo pode, não pode?

O sítio é apenas um terreno do estado do Rio, sem maiores perspectivas imediatas. Mas o garoto precisa acreditar no sítio, como outras pessoas precisam acreditar no céu. O céu dele é exatamente o da festa folclórica, a bicharada toda, e ele, que nasceu no Rio e, de má vontade, vive nessa cidade sem animais.

Aliás, ele mesmo desmente que o Rio seja uma cidade sem bichos, possuindo o dom de descobri-los nos lugares mais inesperados. Se entra na casa de alguém, desaparece ao transpor a porta, para voltar depois de três segundos com um gato ou cachorro na mão. A gente vai andando por uma rua em Copacabana, ele some e ressurge com um pinto em flor. É chegar na Barra da Tijuca, e daí a cinco minutos, já apanhou um siri vivo.

Localiza eletronicamente todos os animais da redondeza, anda pela rua em disparada, cumprimenta aqui um papagaio, ali um ganso, mais adiante um gato, incansável e frustrado.

Não distingue marcas de automóvel, em futebol não vai além de Garrincha e Nilton Santos, mas sabe perfeitamente o que é um mastiff, um boxer, um doberman. Dá informações sobre as pessoas de acordo com os bichos que possuam: aquele é o dono do Malhado, aquela é a dona do Lord... Ao telefone, pergunta por patos, gatos, e outros cachorros, centenas, milhares de cachorros, cachorros que prefere aos companheiros, cachorros que o absorvem na rua, na escola, na hora das refeições, cachorros que costumam latir e pular em seus sonhos, cachorros mil.

Sua literatura é rigorosamente especializada: livros coloridos sobre bichos. Engatinha mal e mal na leitura, mas fala com uma proficiência um pouco alarmante a respeito de répteis, batráquios etc. Filho de mãe inglesa, confunde fork e knife, mas sabe o que é seal e walrus. Se pede um pedaço de papel é para desenhar a zebra ou a baleia.

É claro que sua frustração causa pena. Por isso mesmo, há algum tempo, ganhou como consolo um canarinho-da-terra. Um dia, como lhe dissessem que iam dar o passarinho, caso continuasse a comportar-se mal, correu para a área e abriu a porta da gaiola.

Deram-lhe um bicudo, mas o bicudo morreu de tanto alpiste. Ganhou, mais tarde, uma tartaruga, pequenina e estúpida, que recebeu na pia do banheiro o nome de Henriqueta. Nunca qualquer outro quelônio deu tanto serviço. Foi ao dentista na cidade, e, ao voltar, disse ao pai, pela primeira vez, uma palavra horrível: estou desesperado. Tinha perdido a tartaruguinha no lotação.

Ficou o vazio em sua vida. O alívio era ligar o telefone interurbano para a avó e indagar pelos patos que “possuía” em outra cidade. Ou fazer uma visita à futura mãe de Poppy, este é um poodle que deverá nascer daqui a meio ano, prometido de pedra e cal para ele.

Outro expediente: caçar borboletas, mariposas, grilos, alojar carinhosamente os insetos nas gaiolas vazias, chamar-lhes pelos nomes dos antigos bichos mortos ou desaparecidos.

Um tio deu-lhe outra vez um canário, o carinho foi demais, o passarinho morreu. Não há nada a fazer, por enquanto, e ele dedicou-se à arte de desenhar bichos. De vez em quando, ainda se anima e entra em casa afogueado, mostrando alguma coisa invisível nas mãos: “Olha que estouro de grilo!”

Mas os grilos e as borboletas legais morrem ou saem tranqüilamente das gaiolas, e ei-lo novamente de mãos e alma vazias.

Deu um jeito: arranjou alguns pires sem uso e plantou sementes de feijão. O banheiro está cheio de brotos verdes, tímidos. E ele já sabe que possui uma fazenda.

Fonte: Mello, M. A., org. 2003. Nossas palavras. RJ, José Olympio.

24 maio 2007

A pantera

Rainer Maria Rilke

Seu olhar, de tanto percorrer as grades,
está fatigado, já nada retém.
É como se existisse uma infinidade
de grades e mundo nenhum mais além.

O seu passo elástico e macio, dentro
do círculo menor, a cada volta urde
como que uma dança de força: no centro
delas, uma vontade maior se aturde.

Certas vezes, a cortina das pupilas
ergue-se em silêncio. – Uma imagem então
penetra, a calma dos membros tensos trilha –
e se apaga quando chega ao coração.

Fonte: Rilke, R. M. 1993. Poemas. SP, Companhia das Letras. Poema originalmente publicado em 1907. Após o título, ostenta a indicação “No Jardin des Plantes, Paris”.

23 maio 2007

Vivendo em um mundo simbiótico

Lynn Margulis

A simbiose, o sistema em que os membros de diferentes espécies vivem em contato físico, nos parece ser um conceito misterioso e um termo biológico especializado, uma vez que não temos consciência de seu predomínio. Não apenas nossos intestinos e cílios estão infestados de bactérias e simbiontes animais, mas, se você observar seu quintal ou um parque, os simbiontes não estarão evidentes, mas eles são onipresentes. O trevo e a ervilhaca, ervas daninhas comuns, têm pequenas bolas nas raízes. São as bactérias fixadoras de [nitrogênio], essenciais para o crescimento saudável em um solo pobre em nitrogênio. Depois observe as árvores, o bordo, o carvalho e a nogueira. Mais de trezentos diferentes simbiontes fúngicos, a micorriza que observamos como cogumelos, estão entrelaçados em suas raízes. Ou olhe um cachorro, que geralmente nem percebe os vermes simbióticos presentes em seu intestino. Somos simbiontes em um planeta simbiótico e, se prestarmos atenção, podemos encontrar a simbiose em todos os lugares. O contato físico é um requisito inegociável para muitos tipos diferentes de vida.
[...]

A noção de que as células de animais e plantas tiveram origem por meio da simbiose não é mais motivo de controvérsia. A biologia molecular, incluindo o seqüenciamento gênico, reivindicou esse aspecto de minha teoria da simbiose celular. A incorporação permanente de bactérias dentro das células de plantas e animais na forma de plastídeos e mitocôndrias é a parte da minha teoria da endossimbiose seqüencial que hoje aparece nos livros didáticos do ensino médio. Mas o verdadeiro impacto da visão simbiótica da evolução ainda está para ser sentido. E a idéia que novas espécies surgem de fusões entre membros de espécies antigas ainda não é sequer debatida na sociedade científica respeitável.
[...]

Os seres vivos escapam a uma definição concisa. Eles lutam, se alimentam, dançam, acasalam, morrem. Na base da criatividade de todas as grandes formas de vida familiares, a simbiose gera inovação. Ela junta diferentes formas de vida, sempre por algum motivo. Muitas vezes a fome une o predador à presa ou a boca à bactéria fotossintética ou alga que é a vítima. A simbiogênese junta indivíduos diferentes para formar seres maiores, mais complexos. As formas de vida simbiogenéticas são ainda mais diferentes do que seus “pais” dessemelhantes. “Indivíduos” estão sempre se fundindo e regulando sua reprodução. Eles geram novas populações que se tornam novos indivíduos simbióticos compostos por múltiplas unidades. Estes se tornam “novos indivíduos” em níveis maiores, mais abrangentes de integração. A simbiose não é um fenômeno limitado ou raro. Ela é natural e comum. Residimos em um mundo simbiótico.
[...]

Fonte: Margulis, L. 2001. O planeta simbiótico. RJ, Rocco.

22 maio 2007

O violêro

Elomar

Vô cantá no canturi primero
as coisa lá da minha mudernage
qui mi fizero errante e violêro
eu falo séro i num é vadiage
i pra você qui agora está mi ôvino
juro inté pelo Santo Minino
Vige Maria qui ôve o qui eu digo
si fô mintira mi manda um castigo

Apois pro cantadô i violero
só hai treis coisa nesse mundo vão
amô, furria, viola, nunca dinhêro
viola, furria, amô, dinhêro não

Cantadô di trovas i martelo
di gabinete, ligêra i moirão
ai cantadô já curri o mundo intêro
já inté cantei nas portas di um castelo
dum rei qui si chamava di Juão
pode acriditá meu companhêro
dispois di tê cantado u dia intêro
o rei mi disse fica, eu disse não

Apois pro cantadô...

Si eu tivesse di vivê obrigado
um dia inantes dêsse dia eu morro
Deus feiz os homi e os bicho tudo fôrro
já vi iscrito no Livro Sagrado
qui a vida nessa terra é u’a passage
i cada um leva um fardo pesado
é um insinamento qui derna a mudernage
eu trago bem dent’do coração guardado

Apois pro cantadô...

Tive muita dô di num tê nada
pensano qui êsse mundo é tud’tê
mais só dispois di pená pelas istrada
beleza na pobreza é qui vim vê
vim vê na procissão u Lôvado-seja
i o malassombro das casa abandonada
côro di cego nas porta das igreja
i o êrmo da solidão das istrada

Apois pro cantadô...

Pispiano tudo du cumêço
eu vô mostrá como faiz o pachola
qui inforca u pescoço da viola
rivira toda moda pelo avêsso
i sem arrepará si é noite ou dia
vai longe cantá o bem da furria
sem um tustão na cuia u cantadô
canta inté morrê o bem do amô.

Apois pro cantadô...

Fonte: álbum Das barrancas do rio Gavião (1972), de Elomar.

21 maio 2007

Mais de sete mil visitas

F. Ponce de León

Na manhã desta segunda-feira, 21/5, o Poesia contra a guerra superou a marca das sete mil visitas. Do balanço anterior, “Ultrapassando as seis mil visitas”, em 5/5, até o fim do expediente de ontem (20/5) ocorreram em média cerca de 55,4 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece igual a 83, registrado em 18/4.

20 maio 2007

A nau dos loucos


Hieronymus Bosch [El Bosco] (1450-1516). Das Narrenschiff. 1490-1500.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

19 maio 2007

Fazenda

Nelson Angelo

Água de beber
Bica no quintal
Sede de viver tudo
E o esquecer era tão normal
Que o tempo parava

E a meninada
Respirava o vento
Até vir a noite
E os velhos falavam
Coisas dessa vida
Eu era criança, hoje é você
E no amanhã, nós

Água de beber...

Tinha sabiá, tinha laranjeira
Tinha manga-rosa
Tinha o sol da manhã
E na despedida
Tios na varanda
Jipe na estrada
E o coração lá

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Geraes (1976), de Milton Nascimento.

18 maio 2007

A instabilidade das cousas do mundo

Gregório de Matos

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.

17 maio 2007

Horizontes em expansão

George Gamow

[...]
Nas primeiras fases da civilização humana, aquilo que chamamos de universo era considerado como ridiculamente pequeno. Acreditava-se que a Terra fosse um disco largo e chato, flutuando na superfície do oceano que a circundava. Abaixo dela, só havia água, a mais profunda que se pudesse imaginar, e acima estava o céu, moradia dos deuses. O disco era bastante grande para conter todas as terras então conhecidas, que incluíam o litoral do Mediterrâneo, com partes adjacentes da Europa, África e um pouco da Ásia. O extremo norte do disco da Terra era limitado por uma alta cadeia de montanhas, atrás da qual o Sol se escondia durante a noite, quanto repousava na superfície do Oceano Mundial. Mas no século 3 a.C. surgiu um homem que discordou dessa concepção simples e generalizada do mundo. Foi o famoso filósofo grego chamado Aristóteles.

Em seu livro Dos Céus, Aristóteles formulou a teoria de que a Terra era na realidade, uma esfera, coberta parcialmente de terra, e parcialmente de água, circundada pelo ar. Apoiou sua teoria em muitos argumentos que hoje nos parecem triviais. Mostrou que o modo pelo qual os navios desaparecem no horizonte, quando o casco some e os mastros parecem sair de dentro da água, prova que a superfície dos oceanos é curva, e não chata. Argumentou que os eclipses da Lua devem ser provocados pela sombra da Terra projetada sobre a face de nosso satélite, e, como essa sombra era redonda, a Terra devia ser redonda também. Muito pouca gente, porém, acreditou nele. [...]

Fonte: Gamow, G. 1981. Um, dois, três... infinito. RJ, Zahar Editores.

16 maio 2007

One

Bono

Is it getting better

Or do you feel the same

Will it make it easier on you

Now you got someone to blame


You say

One love

One life

When it’s one need

In the night

It’s one love

We get to share it

It leaves you baby

If you don’t care for it


Did I disappoint you?

Or leave a bad taste in your mouth?

You act like you never had love

And you want me to go without


Well it’s too late

Tonight

To drag the past out

Into the light

We’re one

But we’re not the same

We get to carry each other

Carry each other

One


Have you come here for forgiveness

Have you come to raise the dead

Have you come here to play Jesus

To the lepers in your head

Did I ask too much

More than a lot

You gave me nothing

Now it’s all I got

We’re one

But we're not the same

We hurt each other

Then we do it again


You say

Love is a temple

Love a higher law

Love is a temple

Love the higher law

You ask me to enter

But then you make me crawl

And I can’t be holding on

To what you got

When all you got is hurt


One love

One blood

One life

You got to do what you should


One life

With each other

Sisters

Brothers


One life

But we’re not the same

We get to carry each other

Carry each other


One


Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum Achtung baby (1991), do U2.

15 maio 2007

União da Terra e da Água


Peter Paul Rubens (1577-1640). The Union of Earth and Water. 1618.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

14 maio 2007

As derradeiras

Pon Pin Chin

As derradeiras
gotas
de
chuva

costumam
de
fato
cair

em terra
já encharcada,

mas não é
justamente por
causa delas
que córregos, rios e lagos transbordam?

13 maio 2007

Sete meses depois...

F. Ponce de León

Ontem, sábado, 12/5, o Poesia contra a guerra completou sete meses no ar. Ao final do expediente da última sexta-feira (11/5), o contador instalado no blogue indicava que 6.487 visitas já haviam sido registradas.

Desde o balanço mensal anterior, “Balanço semestral”, foram cerca de 56,1 visitas/dia. Nesse período, um novo recorde positivo de visitação foi alcançado: 83 visitantes únicos, em 18/4.

Ao longo do último mês, foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Ana Terra, Antônio Carlos Secchin, António Gedeão, Charles Baudelaire, Eleanor Farjeon, Iêda Dias, Jacob Bronowski, John Milton, Mike Rutherford, Monteiro Lobato, Olivia Hime, Pablo Neruda, Sandra Postel e Santiago Ramón y Cajal.

Além de autores que já haviam sido publicados em meses anteriores. Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Albrecht Dürer, El Greco, Jackson Pollock e Piero di Cosimo.

12 maio 2007

Paraíso Perdido

John Milton

Do homem primeiro canta, empírea Musa,
A rebeldia – e o fruto, que, vedado,
Com seu mortal sabor nos trouxe ao Mundo
A morte e todo o mal na perda do Éden,
Até que Homem maior pôde remir-nos
E a dita celestial dar-nos de novo.

Do Orebe ou do Sinai no oculto cimo
Estarás tu, que ali auxílios deste
Ao pastor que primeiro aos escolhidos
Ensinou como do confuso Caos
Se ergueram no princípio o Céu e a Terra?
Ou mais te agrada Sião e a clara Síloe
Que mana ao pé do oráculo do Eterno?
Lá donde estás, invoco o teu socorro
Para este canto meu que hoje aventuro,
Decidido a galgar com vôo inteiro
Muito por cima da montanha Aônia,
De assuntos ocupado que inda o Mundo
Tratados não ouviu em prosa ou verso.

E tu mais que ela, Espírito inefável,
Que aos templos mais magníficos preferes
Morar num coração singelo e justo,
Instrui-me porque nada se te encobre.
Desde o princípio a tudo estás presente:
Qual pomba, abrindo as asas poderosas,
Pairaste sobre a vastidão do Abismo
E com almo portento o fecundaste:
Da minha mente a escuridão dissipa,
Minha fraqueza eleva, ampara, esteia,
Para eu poder, de tal assunto ao nível,
Justificar o proceder do Eterno
E demonstrar a Providência aos homens.

Dize primeiro, tu que observas tudo
No Céu sublime, no profundo Inferno,
Dize primeiro a causa irresistível
Que mover pôde os pais da prole humana,
Em tão próspera sina, ao Céu tão caros,
A apostatar de Deus que o ser lhes dera
E a transgredir a lei que lhes ditara,
Sendo só em um objeto restringidos,
No mais senhores do universo Mundo:
Quem lhes urdiu a sedução malvada
Que os lançou em tão feia rebeldia?
O Dragão infernal. Com torpe engano,
Por inveja e vinganças instigado,
Ele iludiu a mãe da humana prole,
Lá depois que seu ímpeto soberbo
O expulsara dos Céus coa imensa turba
Dos rebelados anjos, seus consócios.

Confiado num exército tamanho,
Aspirando no Empíreo a ter assento
De seus iguais acima, destinara
Ombrear com Deus, se Deus se lhe opusesse,
E com tal ambição, com tal insânia,
Do Onipotente contra o Império e trono
Fez audaz e ímpio guerra, deu batalhas.
Mas da altura da abóbada celeste
Deus, coa mão cheia de fulmíneos dardos,
O arrojou de cabeça ao fundo Abismo,
Mar lúgubre de ruínas insondável,
A fim de que atormentado ali vivesse
Com grilhões de diamante e intenso fogo
O que ousou desafiar em campo o Eterno.

Pelo espaço que abrange no orbe humano
Nove vezes o dia e nove a noite,
Ele com sua multidão horrenda,
A cair estiveram derrotados
Apesar de imortais, e confundidos
Rolaram nos cachões de um mar de fogo.
Sua condenação, porém, o guarda
Para mais fero horror: e vendo agora
Perdida a glória, perenal a pena,
Este duplo prospecto na alma o punge.

Lança em roda ele então os tristes olhos
Que imensa dor e desalento atestam,
Soberba empedernida, ódio constante:
Eis quando de improviso vê, contempla,
Tão longe como os anjos ver costumam,
A terrível mansão, torva, espantosa,
Prisão de horror que imensa se arredonda
Ardendo como amplíssima fornalha.
Mas luz nenhuma dessas flamas se ergue;
Vertem somente escuridão visível
Que baste a pôr patente o hórrido quadro
Destas regiões de dor, medonhas trevas
Onde o repouso e a paz morar não podem,
Onde a esperança, que preside a tudo,
Nem sequer se lobriga: os desgraçados
Interminável aflição lacera
E de fogo um dilúvio alimentado
De enxofre abrasador, inconsumptível.

A justiça eternal tinha disposto
Para aqueles rebeldes este sítio:
Ali foram nas trevas exteriores
Seu cárcere e recinto colocados,
Longe do excelso Deus, da luz empírea,
Distância tripla da que os homens julgam
Do centro do orbe à abóbada estrelada.
Oh! como esse lugar, onde ora penam,
É diverso do Céu donde caíram!

Logo o monstro descobre a turba vasta
Dos tristes que na queda tem por sócios
Arfando em tempestuosos torvelinos
Do undoso lume que hórrido os flagela.
Próximo dele ali coas vagas luta
O anjo, imediato seu em mando e crimes,
Que foi chamado nas vindouras eras
Belzebu, nome à Palestina grato.

Fonte: Milton, J. 2003. Paraíso Perdido. SP, Martin Claret. A obra completa consta de 12 cantos e foi originalmente publicada em 1667; o trecho acima corresponde ao início do Canto I.

10 maio 2007

Enfrentando a escassez

Sandra Postel

A escassez da água, caracteristicamente, invoca visões de seca, os períodos secos que a natureza impõe de tempos em tempos. Mas, enquanto as secas tomam o espaço das manchetes dos jornais e prendem nossa atenção, a ameaça muito maior representada pelo nosso consumo crescente de água continua, em grande medida, passando despercebida.

Sinais de esgotamento dos recursos hídricos são abundantes. Lençóis freáticos estão declinando, lagos estão minguando e as terras inundáveis desaparecem. Engenheiros se propõem “resolver” os problemas hídricos construindo esquemas cada vez mais gigantescos de desvios de rios, a preços exorbitantes e com efeitos ambientais nocivos. Nos arredores de Pequim, de Nova Deli, de Phoenix e de outras cidades carentes de água está fermentando uma competição entre os moradores urbanos e os agricultores que reivindicam o mesmo suprimento limitado. E as populações do Oriente Médio têm escutado mais de um de seus líderes bradar sobre a possibilidade de guerra em conseqüência da escassez de água.
[...]

Um dos mais nítidos sinais de escassez de água é o número cada vez maior de países nos quais a população ultrapassou o nível de vida que pode ser sustentado confortavelmente com a água disponível. Como regra prática, os hidrologistas definam países com esgotamento hídrico aqueles cujos suprimentos anuais situam-se em mil e dois mil metros cúbicos por pessoa. Quando a cifra cai abaixo de mil metros cúbicos [...], as nações são consideradas escassas em água – isto é, a carência de água torna-se uma grave restrição à produção de alimentos, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos sistemas naturais.
[...]

Com a agricultura reivindicando dois terços de toda a água removida de rios, de lagos, de riachos e dos depósitos de água subterrânea, tornar a irrigação mais eficiente é prioridade máxima do movimento em direção a um uso mais sustentável da água. [...] Reduzir as necessidades de irrigação em cerca de um décimo, por exemplo, liberaria água suficiente para quase duplicar o uso doméstico de água em todo o mundo.
[...]

A fabricação de inúmeros produtos que usamos em nossa vida diária – desde roupas e computadores até papel, plásticos e televisores – exige copiosas quantidades de água. A produção de um quilo de papel pode chegar a exigir 700 quilos de água. E a fabricação de uma tonelada de aço pode demandar 280 toneladas de água.
[...]

Casas, apartamentos, pequenos negócios e outras empresas urbanas respondem por menos de um décimo do uso total de água em todo o mundo. Mas suas demandas são concentradas em áreas geográficas relativamente pequenas e, em muitos casos, avolumam-se rapidamente. À medida que as cidades se expandem, elas sujeitam a forte tensão à capacidade das massas de água locais e forçam os técnicos a recorrer a fontes cada vez mais distantes.

Além disso, os reservatórios, os canais, as estações de bombeamento, os encanamentos, os esgotos e as instalações de tratamento que constituem um moderno sistema de saneamento e de tratamento de água usada requerem enormes somas de dinheiro para ser construídos e mantidos. A coleta e o tratamento da água primária e da usada também requerem grandes quantidades de energia e de produtos químicos, aumentando a poluição do meio ambiente e os custos globais do sistema hídrico de uma comunidade. Sujeitas a tais embaraços, muitas cidades estão tendo dificuldades para satisfazer as necessidades de água de habitantes, e grande número de famílias de baixa renda nos países em desenvolvimento não têm acesso a nenhum serviço de água.

Fonte: Postel, S. 1993. Enfrentando a escassez de água. In: L. R. Brown, org. Qualidade de vida, 1993: Salve o planeta!, p. 47-63. SP, Globo.


09 maio 2007

Lição sobre a água

António Gedeão

Este líquido é água.
Quando pura
é inodora, insípida e incolor.
Reduzida a vapor,
sob tensão e a alta temperatura,
move os êmbolos das máquinas que, por isso,
se denominam máquinas de vapor.

É um bom dissolvente.
Embora com excepções mas de um modo geral,
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais.
Congela a zero graus centesimais
e ferve a 100, quando à pressão normal.

Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão,
sob um luar gomoso e branco de camélia,
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia
com um nenúfar na mão.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1967.

08 maio 2007

Jovem lebre


Albrecht Dürer (1471-1528). A young hare. 1502.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

07 maio 2007

Desastres

Pablo Neruda

Cuando llegué a Curacautín

estaba lloviendo ceniza

por voluntad de los volcanes.


Me tuve que mudar a Talca

donde habían crecido tanto

los ríos tranquilos de Maule

que me dormí en una embarcación

y me fui a Valparaíso.


En Valparaíso caían

alrededor de mí las casas

y desayuné en los escombros

de mi perdida biblioteca

entre un Baudelaire sobrevivo

y un Cervantes desmantelado.


En Santiago las elecciones

me expulsaron de la ciudad:

todos se esculpían la cara

y a juzgar por los periodistas

en el cielo estaban los justos

y en la calle los asesinos.


Hice mi cama junto a un río

que llevaba más piedras que agua,

junto a unas encinas serenas,

lejos de todas las ciudades,

junto a las piedras que cantaban

y al fin pude dormir en paz

con cierto temor de una estrella

que me miraba y parpadeaba

con cierta insistencia maligna.


Pero la mañana gentil

pintó de azul la negra noche

y las estrellas enemigas

fueron tragadas por la luz

mientras yo cantaba tranquilo

sin catástrofe y sin guitarra.


Fonte: Neruda, P. 2007 [2004]. O coração amarelo. Porto Alegre, L&PM. Poema originalmente publicado em 1974.

06 maio 2007

A uma passante

Charles Baudelaire

A rua em derredor era um ruído incomum,
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que embala e o frenesi que mata.

Um relâmpago e após a noite! – Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei, um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado – e o sabias demais!

Fonte: Baudelaire, C. 2006. As flores do mal. SP, Martin Claret. Poema originalmente publicado em 1861.

05 maio 2007

Ultrapassando as seis mil visitas

F. Ponce de León

Na última quinta-feira, 3/5, o Poesia contra a guerra superou a marca das seis mil visitas. Ao contrário do que fiz das vezes anteriores, no entanto, sempre que completávamos um novo milhar de visitas, não pude registrar de pronto o ocorrido. A razão para isso é que estive a semana inteira fora, longe deste computador...

Do balanço anterior, “Cinco mil visitas”, em 17/4, até o fim do expediente de ontem (4/5) ocorreram em média cerca de 58,6 visitas/dia. Nesse período alcançamos também um novo recorde positivo de visitantes únicos em um só dia: 83, em 18/4.

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