23 outubro 2007

A família, a juventude, a cultura

Leon Trotsky

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Ainda que na URSS o marxismo seja, formalmente, a doutrina oficial, no decorrer nos últimos doze anos não foi publicada uma única obra marxista – tratando de economia, de sociologia, de história ou de filosofia – cuja tradução merecesse atenção. A produção marxista não sai dos limites da compilação escolástica, que nada faz além de repisar as velhas idéias aprovadas e utilizar as mesmas citações segundo as necessidades do momento.

A expensas do Estado, são publicados milhões de exemplares de livros e brochuras que não fazem falta a ninguém, fabricados à custa de goma, lisonjas e outros ingredientes pastosos. Os marxistas que poderiam dizer qualquer coisa de útil e de pessoal estão aferrolhados, ou forçados a calar-se. Isto, apesar de a revolução das formas sociais pôr a todo o momento problemas grandiosos!

A honestidade, sem a qual não há trabalho teórico, é pisada. As notas explicativas, acrescentadas aos escritos de Lenine, são retocadas de alto a baixo em cada reedição com o fim de servir os interesses pessoais do estado-maior governamental, e engrandecer os chefes, denegrindo os seus adversários e apagando certos vestígios. Os manuais de história do partido e da revolução sofrem o mesmo tratamento. Os factos são deformados, esconde-se, ou, pelo contrário, forja-se documentos, as reputações forjam-se ou destroem-se. A simples comparação das edições sucessivas de um mesmo livro em doze anos, permite seguir a degenerescência do pensamento e da consciência dos dirigentes.

O regime totalitário não é menos funesto à literatura. A luta das tendências e das escolas deu lugar à interpretação da vontade dos chefes. Todos os grupos pertencem obrigatoriamente a uma organização única, espécie de campo de concentração das letras. Escritores medíocres, mas bem pensantes como [Fyodor] Gladkov e [Alexandr] Serafimovich são proclamados clássicos. Os escritores dotados que não sabem adulterar-se [o] quanto é desejável, são acossados por matilhas de conselheiros sem escrúpulos, armados de citações. Grandes artistas suicidam-se; outros procuram assuntos para os seus trabalhos num passado longínquo, ou calam-se. Os livros honestos e que trazem a marca do talento só aparecem por acaso, como que escapados ao cerco; são uma espécie de contrabando.
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Fonte: Trotsky, L. 1977 [1936]. A revolução traída. Lisboa. Edições Antídoto.

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