05 janeiro 2009

Treze maneiras de se olhar para um pasto

Michael Pollan

Para algo de que muitos dizem gostar tanto, o capim (e as gramíneas em geral) é curiosamente difícil de se ver. Bem, num sentido geral é possível vê-lo bastante, mas o quanto nós vemos de fato quando olhamos para uma superfície coberta de capim? A cor verde, é claro, talvez a passageira percepção de uma aragem: uma abstração. Para nós, a grama é mais um chão do que uma imagem, um pano de fundo para elementos mais distintos de uma paisagem – árvores, animais, construções. É menos um assunto em si mesmo do que um contexto. Talvez essa impressão se deva à disparidade na escala entre nós e os inúmeros pequenos seres que compõem um pasto. Talvez sejamos simplesmente grandes demais para perceber de maneira detalhada o que está acontecendo ali.

Curiosamente, parecemos gostar de capim menos pelo que ele é do que pelo que não é – quer dizer, a floresta –, e ainda assim costumamos nos identificar muito mais com uma árvore do que com uma folha de capim. Em geral, quando poetas comparam pessoas a folhas de capim, isso é feito para nos diminuir, para minar nossa individualidade e fazer com que nos lembremos de nossa insignificância existencial. Composto por tantas partes pequeninas e aparentemente idênticas, um trecho de capim – que muitas vezes ao ser examinado mais de perto revela ser composto não de capim, mas de leguminosas e de muitos tipos de plantas de folhas grandes – acaba nos transmitindo a aparência de uma grande quantidade indiferenciada, de um campo de colorido tosco. Essa maneira de ver o capim – ou de não vê-lo – deve nos ser conveniente; de outro modo, por que nos daríamos tanto trabalho para manter a grama aparada? O ato de apará-la só faz aumentar sua natureza abstrata.
[...]

Fonte: Pollan, M. 2007. O dilema do onívoro. RJ, Intrínseca.

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