29 junho 2009

Como argumentar em filosofia

Tom Cutler

Diferentemente das leis das ciências e das regras da matemática, as idéias filosóficas não podem ser provadas, nem contestadas. Não se podem refutar afirmações do tipo: “não há nada que se compare ao ‘conhecimento’” ou “os animais não têm direitos” por meio de experiências ou consultas à tabela de logaritmos. Isso, certamente, significa que você pode debater a noite toda, sem medo de chegar a uma conclusão, e é isso o que torna a filosofia – assim como a política – um assunto tão brilhante para o argumentador habilidoso.

Tipos de filósofos

Há dois tipos principais de filósofos. Com o primeiro tipo, você tem uma pista sobre o que ele está discutindo. Tome como exemplo essa importante afirmação filosófica do pensador, do primeiro tipo, Bertrand Russel:

Pode haver, pelo que eu saiba, razões admiráveis para comer ervilha com faca, mas o efeito hipnótico da persuasão antecipada fez-me completamente incapaz de aprecia-las.

Esta é uma declaração filosófica de clareza transparente.

Em contrapartida, os filósofos do segundo tipo são, em todos os momentos, completamente incompreensíveis. Eles dizem coisas do tipo:

A mudança de um conceito homólogo, em que o capital entende-se por submeter relações sociais em modalidades fundamentalmente estruturalistas como uma consideração às idéias oligárquicas e hegemônicas – no qual o domínio capitalista é contingente em reformulações, reconvergências e rearticulacionismos –, invoca o dilema da efemeridade como noção de estrutura renovada, distinguindo uma mudança da visão sobre os bens consumíveis como totalidades hipotéticas para uma na qual a cognição das potencialidades contingentes da estrutura inicia, ao contrário, um imaginário reavivado da hegemonia, como o inevitável concomitante das alegorias e táticas da renúncia ao poder.

Este estilo magistral é o que você deve adotar se quiser argumentar em filosofia. Aprenda algumas frases pomposas desse tipo, mantendo variedade de vocabulário debaixo da manga e você terá respostas prontas para qualquer questão filosófica que lhe atirem. Além disso, eles pensarão que você é tão intelectual.

As roupas que deve usar também são importantes:

* Calças engomadas, casacos esportivos de náilon e camisas com colarinho de tonalidade diferente são o traje de um filósofo analítico. Você precisará também de alguns lápis incrivelmente apontados.

* Jeans preto, camiseta preta e jaqueta de couro preto indicam o filósofo europeu, com uma caneta tinteiro para aqueles diagramas obscuros: todas as setas, linhas e pontos de interrogação possíveis.

* Bolsas de veludo cotelê e paletó de tweed com remendos no cotovelo são as vestimentas do historiador de filosofia. Naturalmente, um cachimbo é obrigatório. Quando você se deparar com uma pergunta ardilosa, comece a limpá-lo. Leva horas.

* Com a ajuda de uns óculos caros, um cara vestido pode se transformar, de repende, em professor de estudos culturais. O mais fácil de todos.

Fonte: Cutler, T. 2008. 211 coisas que um garoto esperto pode fazer. SP, Larousse.

27 junho 2009

Senhora cochilando


Nicolaes Maes (1634-1693). Old woman dozing. 1656.

Fonte: Wikipedia.

24 junho 2009

Bad moon rising

John Fogerty

I see the bad moon arising.
I see trouble on the way.
I see earthquakes and lightnin’.
I see bad times today.

Don’t go around tonight,
Well, it’s bound to take your life,
There’s a bad moon on the rise.

I hear hurricanes a-blowing.
I know the end is coming soon.
I fear rivers overflowing.
I hear the voice of rage and ruin.

Don’t go…

Hope you got your things together.
Hope you are quite prepared to die.
Looks like we’re in for nasty weather.
One eye is taken for an eye.

Don’t go…

Fonte: álbum Green River (1969), do Creedence Clearwater Revival.

22 junho 2009

Quando o Conhecimento foi ao norte

Chuang-Tzu

O Conhecimento vagueou ao norte
Procurando pelo Tao, acima do Mar das Trevas
E acima da Montanha Invisível.
Lá na montanha, encontrou
O Não-Agir, o Sem-Palavras.
Perguntou:
“Poderia informar-me, Senhor,
Por qual sistema de pensamento
E técnica de meditação
Poderei apreender o Tao?
Por qual renúncia
Ou retiro solitário
Posso repousar no Tao?
Onde devo começar,
Qual o caminho a seguir
Para alcançar o Tao?”
Estas foram as três perguntas.
O Não-Agir, o Sem-Palavras
Não respondeu.
Não apenas isto,
Nem mesmo sabia
Como responder!

O Conhecimento foi ao sul,
Para o Mar Brilhante,
E subiu a Montanha Luminosa,
Chamada “Fim da Dúvida”.
Lá encontrou
O Ato-Impulso, o Profeta-Inspirado,
E fez as mesmas perguntas.
“Ah, respondeu o Inspirado,
Tenho as respostas e as revelarei!”
Mas, exatamente quando as ia revelar,
Esqueceu-se de tudo que tinha em mente.
O Conhecimento não obteve resposta.
Assim, o Conhecimento foi afinal
Ao palácio do Imperador Amarelo,
E lhe fez as perguntas.
O imperador respondeu-lhe:
“Exercitar o não-pensamento
E seguir a não-via da meditação
É a primeira maneira de se entender o Tao.
Habitar em nenhum lugar
E em nada repousar
É a primeira maneira para repousar no Tao.
Começar do nenhum lugar
E não seguir nenhuma estrada
É o primeiro passo para atingir o Tao”.

O Conhecimento respondeu: “Você sabe isto
E agora eu o sei. Mas os outros dois
Não o sabiam.
Que me diz isto?
Que não têm razão?”
Respondeu-lhe o Imperador:
Só o Não-Agir, o Sem-Palavra,
Estava com toda a razão. Ele não sabia.
O Ato-Impulso, o Profeta-Inspirado,
Parecia estar com a razão
Porque se esquecera.
Quanto a nós,
Nem chagamos próximos a ter razão,
Porque estamos com as respostas,
Pois “aquele que sabe não diz,
Aquele que diz não sabe”.
E “o sábio instrui
Sem o uso da fala”.

Esta história foi repetida
Ao Ato-Impulso
Que concordou com a maneira
Do Imperador interpretá-la.
Não contaram
Que o Não-Agir jamais ouviu a história
Ou fez qualquer comentário.

Fonte: Buzzi, A. R. 1978. Introdução ao pensar, 7ª edição. Petrópolis, Vozes. p. 185. O nome do autor, que viveu no século 4 a.C., é grafado também como Zhuangzi.

20 junho 2009

O fatal

Rubén Darío

Ditoso o vegetal, que é apenas sensitivo,
Ou a pedra dura, esta ainda mais, porque não sente,
Pois não há dor maior do que a dor de ser vivo,
Nem mais fundo pesar que o da vida consciente.

Ser, e não saber nada, e ser sem rumo certo,
E o medo de ter sido, e um futuro terror...
E a inquietação de imaginar a morte perto,
E sofrer pela vida e a sombra, no temor

Do que ignoramos e que apenas suspeitamos,
E a carne a seduzir com seus frescos racimos,
E o túmulo a esperar, com seus fúnebres ramos...

E não saber para onde vamos,
Nem saber donde vimos...

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira. Poema originalmente publicado em 1905.

18 junho 2009

O estatuto epistêmico dos termos teóricos

Jean Ladrière

[...]
Em certo sentido, a teoria só depende de si mesma, posto que é ela que permite interpretar os resultados experimentais graças aos quais podemos submetê-la à prova. E, efetivamente, é porque é fonte autônoma de sentido, porque confere aos termos que utiliza um sentido que provém de seus próprios procedimentos, que ela é capaz de se fundar assim em si mesma. Contudo, ela não é um simples sistema formal. Por intermédio das relações semânticas, que asseguram aos seus termos um ponto de ancoragem no real, ela remete ao mundo e às operações que aí se desenrolam. A interpretação fornecida pela teoria é uma interpretação que se critica a si mesma. A intervenção do horizonte de experimentação, se contribui para fazer aparecer o conteúdo de sentido da teoria, também serve para testar sua validade. De resto, uma interpretação jamais se impõe absolutamente. Há lugar para diversos esquemas de compreensão e, por conseguinte, para um confronto entre interpretações diversas. Se a própria experiência deve sempre ser interpretada, a crítica de um sistema dado de interpretação não pode consistir simplesmente em trazer à luz um fato experimental que bastaria para pôr em questão o sistema. Um fato só é utilizável quando interpretado. Mas uma outra interpretação pode, ao iluminar certos fatos com um novo enfoque, servir de base a uma crítica efetiva. É, pois, no interior do campo da interpretação que a interpretação se critica a si mesma, mas por intermédio do campo de experimentação.
[...]

Fonte: Ladrière, J. 1978. Filosofia e práxis científica. RJ, Francisco Alves.

16 junho 2009

Descascando maçãs


Pieter de Hooch (1629-1684). A woman peeling apples, with a small child. 1663.

Fonte da foto: Wikipedia.

15 junho 2009

Setenta mil visitas

F. Ponce de León

No fim do expediente desse domingo, o Poesia contra a guerra ultrapassou a marca das 70 mil visitas. Do balanço numérico anterior – ver ‘Sessenta mil visitas’, em 5/3 – até ontem (14/6) ocorreram em média aproximadamente 98 visitas/dia. O recorde positivo de visitantes únicos em um só dia permanece em 185, alcançado em 4/6/2008.

13 junho 2009

Negro forro

Adão Ventura

minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.

minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.

Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema originalmente publicado em 1980.

12 junho 2009

Trinta e dois meses no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/6, o Poesia contra a guerra completa dois anos e oito meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 69.789 visitas haviam sido registradas.

Desde o balanço mensal anterior – Dois anos e sete meses no ar – foram ao ar textos dos seguintes autores: Francisco Carvalho, Freeman Dyson, Gavin Pretor-Pinney, Jules Supervielle, Oswald de Andrade, Percy Bysshe Shelley e Tomaz Kim. Além de outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Carel Fabritius, George Caleb Bingham e I. C. Dahl.

11 junho 2009

Nel mezzo del camin...

Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Fonte: Bilac, O. 1985. Poesias. BH, Itatiaia. Poema originalmente publicado em 1888.

09 junho 2009

Guia do observador de nuvens

Gavin Pretor-Pinney

[Introdução]
Sempre adorei ficar olhando as nuvens. Não há nada igual na natureza no que diz respeito a sua variedade e carga dramática; nada se compara a sua beleza efêmera, sublime.

Se um glorioso pôr-do-sol formado por nuvens Altocumulus se espalhasse pelos céus apenas uma vez a cada geração, certamente o fenômeno se transformaria numa das principais lendas de nossa época. E, no entanto, a maioria das pessoas mal parece reparar nas nuvens ou, então, as vê simplesmente como um empecilho para a constituição de um ‘perfeito dia de verão’, um pretexto para sentir-se melancólica. Ao que parece, não existe nada mais deprimente do que ‘uma nuvem no horizonte’.

Há alguns anos, concluí que esse lamentável estado de coisas não poderia de modo algum continuar a vigorar. As nuvens merecem muito mais do que serem consideradas apenas uma metáfora para um destino funesto. Alguém precisava sair em defesa das nuvens.
[...]

Fonte: Pretor-Pinney, G. 2008. Guia do observador de nuvens. RJ, Intrínseca.

06 junho 2009

Campo de batalha

Tomaz Kim

1.
A noite, porém, rangeu e quebrou:

Viajantes clandestinos,
à procura de uma estrela mais distante,
quedaram-se emudecidos.

Apodreceu a carne, rangeram os ossos
e os dias escorreram, viscosos, iguais.

Estéril, a vida continuou:
a fome, a peste, a guerra – a morte!

2.
Secam as fontes e os rios,
ardem as searas e a nossa casa
e as árvores nuas amaldiçoam o céu,
sem sabermos porquê.

Morrem os jovens antes de se amarem
e os poetas com os poemas inacabados
e as crianças olhando espantadas para o céu,
sem saberem porquê.

Um vento noturno deixou insepultos
ventres e seios e desejos de maternidade
nunca realizados,
e secou risos e cantares subindo para o céu,
sem sabermos porquê.

Andam as guerras pelo mundo:
somente possuímos uma voz, uma voz
e essa voz não se calará
e nós sabemos porquê!

3.
Antes da metralha e do medo e da morte,
antes de um corpo jovem, anónimo, apodrecer
esquecido à chuva e ao vento,
ou singrar, boiando, na água mansa,
ou se despedaçar contra o céu indiferente...

Antes do pavor e do pranto e da prece,
um adeus longo e triste
aos poemas no fundo da gaveta,
e à renúncia ao teu amor brando
e às noites calmas e ao sonho inacabado...

Antes da morte sem-mistério,
um adeus longo e triste
à luta de que não se partilhou!...

4.
Longe, a bala rasgando o luar;
longe, o corpo caindo;
longe, o sangue, vermelho e morno e espesso.

Aqui, à face desta lua e da noite,
iguais às outras luas e às outras noites,
iguais como o sangue vermelho e morno e espesso
dos homens ...

Aqui,
oculto e surdo e retido,
o sangue,
vermelho e morno e espesso,
igual!

5.
As feridas abrem-se
para o céu distante na sua impassibilidade
e destilam as sete pragas
que desabaram
sobre o ventre das nossas mulheres
e o sonho dos nossos filhos
e a nossa seara e olival.

É da glória que nascem os vermes;
e as estrelas,
de mil pedaços ensanguentados,
subindo a noite vertical!

6.
Esta carne envilecida e santa,
a gerar os prados e a nuvem e a chuva,
levada pelo sol e pelo vento...

Esta carne envilecida e santa,
apodrecendo em todas as latitudes,
presente na angústia da noite devastada...

Esta carne envilecida e santa,
forçada a negar a verdade pressentida,
ecoando os versos dos poetas desconhecidos...

Esta carne envilecida e santa,
abrindo-se em flor aos quatro cavaleiros,
é o homem
e a vida breve!

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema originalmente publicado em 1943.

03 junho 2009

O pintassilgo


Carel Fabritius (1622-1654). Het puttertje. 1654.

Fonte: Wikipedia.

01 junho 2009

Vício da fala

Oswald de Andrade

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Fonte: Figueiredo, C. 2004. 100 poemas essenciais da língua portuguesa. BH, Editora Leitura. Poema originalmente publicado em 1926.

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