27 fevereiro 2010

Músico cego


Alvar Cawén (1886-1935). Sokea soittoniekka. 1922.

Fonte: Wikipedia.

25 fevereiro 2010

These are days

Natalie Merchant

These are days you’ll remember

Never before and never since, I promise
will the whole world be warm as this
and as you feel it, you’ll know it’s true
that you are blessed and lucky
it’s true, that you are touched by something
that will grow and bloom in you

These are days you’ll remember

When May is rushing over you with desire
to be part of the miracles you see in every hour
you’ll know it’s true, that you are blessed and lucky
it’s true, that you are touched by something
that will grow and bloom in you

These are the days
that you might fill with laughter
until you break

These days you might feel a shaft of light
make its way across your face
and when you do
you’ll know how it was meant to be
see the signs and know their meaning

You’ll know how it was meant to be
hear the signs and
know they’re speaking to you
to you

Fonte (parte): VHS do filme Doze é demais (Cheaper by the dozen, 2003), cuja trilha sonora utilizou essa canção. Versão original gravada em disco em 1992.

23 fevereiro 2010

Canto do homem cotidiano

Ildásio Tavares

Eu canto o homem vulgar, desconhecido
Da imprensa, do sucesso, da evidência
O herói da rotina,
O rei de pijama,
O magnata
Do décimo terceiro mês,
O play-boy das mariposas
O imperador da contabilidade.

Esse que passa por mim
Que nunca vi outro assim.

Esse que toma cerveja
E cheira mal quando beija.

Esse que nunca é elegante
E fede a desodorante.

Esse que compra fiado
E paga sempre atrasado.

Esse que joga no bicho
E atira a pule no lixo.

Esse que sai no jornal
Por atropelo fatal.

Esse que vai ao cinema
Para esquecer seu problema.

Esse que tem aventuras
Dentro do beco às escuras.

Esse que ensina na escola
E sempre sofre da bola.

Esse que joga pelada
E é craque da canelada.

Esse que luta e se humilha
P’ra casar bem sua filha.

Esse que agüenta o rojão
Pro filho ter instrução.

Esse que só se aposenta
Quando tem mais de setenta.

Esse que vejo na rua
Falando da ida a lua.

Eu canto esse mesmo, exatamente
Esse que sonhou em, mas nunca vai
Ser:
Acrobata,
Magnata,
Psiquiatra,
Diplomata,
Astronauta,
Aristocrata.
(É simplesmente democrata)
Almirante,
Traficante,
Viajante,
Caçador de
Elefante
(Vive só como aspirante)
Pintor, compositor
Senador, sabotador
Escritor ou Diretor

(É apenas sonhador)
Pistoleiro,
Costureiro,
Terrorista,
Vigarista
Delegado,
Deputado,
Galã na tela
Ou mesmo em telenovela,
Marechal,
Industrial,
Presidente,
Onipotente,
(Ele é simplesmente gente)
E, inconsciente marcha pela vida
buscando no seu bairro
Na cidade lá do interior,
No escritório, consultório
No ginásio,
Na repartição,
Na rua, no mercado, em toda a parte
Somente uma razão
Para poder dormir com a esperança
E de manhã, na hora do encontro
Com o espelho, ao fazer a barba,
Ver o reflexo do campeão.
Mas que, na frustração cotidiana,
Vai encontrando aos poucos sua glória.
Por isso eu canto a luta sem memória
Desse homem que perde, e não se ufana
De no rosário de derrotas várias
E de omissões e condições precárias
Poder contar com uma só vitória
Que não se exprime nas mentiras tantas
Espirradas sem medo das gargantas
Mas sim no que ele vence sem saber
E não se orgulha, campeão na história
Da eterna luta de sobreviver.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1977.

21 fevereiro 2010

Sonhos de uma teoria final

Steven Weinberg

9.
A teoria final pode estar a séculos de distância e talvez seja totalmente diferente de tudo que possamos imaginar agora. Mas suponha, por um momento, que estejamos perto. O que podemos supor sobre essa teoria com base no que já sabemos?

Há uma parte na física de hoje que, me parece, provavelmente irá sobreviver inalterada na teoria final: a mecânica quântica. Não só porque a mecânica quântica é a base de todo o nosso conhecimento atual da matéria e das forças e por ter suportado testes experimentais muito exigentes; de maior importância ainda é o fato de que ninguém conseguiu imaginar um modo de alterar a mecânica quântica, em qualquer aspecto, que preservasse seus sucessos sem conduzir a absurdos lógicos.
[...]

Fonte: Weinberg, S. 1996. Sonhos de uma teoria final. RJ, Rocco.

19 fevereiro 2010

Dançarinos

Neusa Sorrenti

O vento
chamou
a garoa
para dançar
um forró.

Que idéia
mais maluca,
porque
acabou
em toró!

Fonte: edição No. 209 (janeiro/fevereiro de 2010) da revista Ciência Hoje das Crianças. Poema publicado em livro em 2006.

17 fevereiro 2010

Tão ontem

Scott Westerfeld

[Introdução]
Estamos por toda parte.

Vocês não pensam muito sobre nós porque somos invisíveis. Bem, não exatamente invisíveis. Muitos de nós têm o cabelo pintado de quatro cores, ou usam tênis com solado de dez centímetros, ou carregam tanto metal no corpo que pegar um avião se torna um desafio. Na verdade, somos bem visíveis, se pararem para pensar.

Mas não carregamos letreiros indicando o que somos. Afinal, se vocês soubessem o que pretendemos, não poderíamos realizar nossa mágica. Temos de observar tudo cuidadosamente para instigá-los e induzi-los de uma maneira que vocês não percebam. Como bons professores, deixamos que vocês acreditem ter descoberto a verdade por conta própria.

E vocês precisam de nós. Alguém deve guiá-los, moldá-los, garantir que hoje se transforme em ontem dentro do prazo. Porque, francamente, sem nós para monitorar a situação, quem sabe o que poderia ser enviado em suas cabeças?

Afinal, não é como se vocês pudessem simplesmente sair tomando suas próprias decisões.

*

Mas, se devíamos permanecer em segredo, por que estou escrevendo isto?

Bem, é uma longa história. É esta história que você tem nas mãos.

É sobre como conheci Jen. Ela não é uma de nós, nem uma de vocês. Está no topo da pirâmide, fazendo sua parte, em silêncio. Acreditem: vocês precisam dela. Todos precisamos.

Também é sobre os Arruaceiros, que, tenho certeza, existem mesmo. Provavelmente. Se forem de verdade, então são muito espertos. E têm grandes planos. São os vilões, aqueles que estão tentando derrubar o sistema. Querem tornar pessoas como eu redundantes, dispensáveis, ridículas.

Querem liberar vocês.

E a parte engraçada é que acho que estou do lado deles.

Certo. Chega de introdução? Vocês são capazes de prestar atenção por tempo suficiente para que eu faça isso direito? Já está na hora da atração principal?

Então vamos começar.
[...]

Fonte: Westerfeld, S. 2007 [2004]. Tão ontem. RJ, Galera Record.

15 fevereiro 2010

Paisagem local


Paula Modersohn-Becker (1876-1907). Worpsweder landschaft. 1900.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 fevereiro 2010

Ó Capitão! meu Capitão!

Walt Whitman

Ó Capitão! meu Capitão! Finda é a temível jornada,
Vencida cada tormenta, a busca foi laureada.
O porto é ali, os sinos ouvi, exulta o povo inteiro,
Com o olhar na quilha estanque do vaso ousado e austero.
Mas ó coração, coração!
O sangue mancha o navio,
No convés, meu Capitão
Vai caído, morto e frio.

Ó Capitão! meu Capitão! Ergue-te ao dobre dos sinos;
Por ti se agita o pendão e os clarins tocam teus hinos.
Por ti buquês, guirlandas... Multidões as praias lotam,
Teu nome é o que elas clamam; para ti os olhos voltam,
Capitão, querido pai,
Dormes no braço macio...
É meu sonho que ao convés
Vais caído, morto e frio.

Ah! meu Capitão não fala, foi do lábio o sopro expulso,
Meu calor meu pai não sente, já não tem vontade ou pulso.
Da nau ancorada e ilesa, a jornada é concluída.
E lá vem ela em triunfo da viagem antes temida.
Povo, exulta! Sino, dobra!
Mas meu passo é tão sombrio...
No convés meu Capitão
Vai caído, morto e frio.

Fonte: Whitman, W. 2006. Folhas de relva. SP, Martin Claret. Poema publicado em livro em 1867.

12 fevereiro 2010

Quarenta meses no ar

F. Ponce de León

Nesta sexta-feira, 12/2, o Poesia contra a guerra completa quarenta meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 85.214 visitas haviam sido registradas nesse período.

Desde o balanço mensal anterior – Três anos e três meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: António Osório, Carpinejar, Casimiro de Brito, Jean Baudrillard, Jon Scieszka, Paul Singer, Robert Wright, Ruy Espinheira Filho e Wilson Martins. Além de outros autores que já haviam sido publicados antes.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens dos seguintes pintores: Egon Schiele, Franz Marc e Paul Klee.

11 fevereiro 2010

O animal moral

Robert Wright

[Introdução]
A origem das espécies quase não fala da espécie humana. As ameaças representadas pelo livro – à narração bíblica de nossa criação, à crença reconfortante de que não somos meros animais – eram bastante evidentes; Charles Darwin não tinha nada a ganhar desenvolvendo-as. Quase no final do último capítulo apenas sugeriu que, através do estudo da evolução “se esclarecerá a origem do homem e sua história”. E, no mesmo parágrafo, arriscou que “em futuro distante” o estudo da psicologia “assentará sobre novas bases”.

Acertou quanto ao distante. Em 1960, 101 anos após o lançamento de A origem, o historiador John C. Greene fez a seguinte observação: “Com relação à origem dos atributos especificamente humanos do homem, Darwin ficaria desapontado ao descobrir que fomos muito além das especulações que ele próprio fez em The descent of man. Ele sentiria desânimo ao ouvir J. S. Weiner, do laboratório de antropologia da Universidade de Oxford, afirmar que se trata de ‘um vasto e intrigante tópico sobre o qual a nossa compreensão evolucionista continua insuficiente’... Na ênfase atual sobre a singularidade do homem como animal transmissor de cultura Darwin talvez percebesse uma tendência a retomar a idéia pré-evolucionista de que há uma diferença absoluta entre o homem e os outros animais.”
[...]

Fonte: Wright, R. 1996. O animal moral. RJ, Campus.

09 fevereiro 2010

Mãe que levei à terra

António Osório

Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
que farei destas tuas artérias?
Que medula, placenta,
que lágrimas unem aos teus
estes ossos? Em que difere
a minha da tua carne?

Mãe que levei à terra
como me acompanhaste à escola,
o que herdei de ti
além de móveis, pó, detritos
da tua e outras casas extintas?
Porque guardavas
o sopro de teus avós?

Mãe que levei à terra
como me trouxeste no ventre,
vejo os teus retratos,
seguro nos teus dezenove anos,
eu não existia, meu Pai já te amava.
Que fizeste do teu sangue,
como foi possível, onde estás?

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1978.

07 fevereiro 2010

Cabeça de homem


Paul Klee (1879-1940). The head of a man, going senile (Senecio). 1922.

Fonte da foto: Olga’s Gallery.

05 fevereiro 2010

O Elefante e o Mosquito

Jon Scieszka

Uma noite, o Elefante e o Mosquito ficaram até tarde na rua e acabaram perdendo a hora.

“Essa não!”, disse o Elefante quando eles viram um relógio. “Eu já devia estar em casa há vinte minutos. Meus pais vão me matar. É melhor ligar para eles.”

“Para que se preocupar”, disse o Mosquito. “Em cinco minutos você chega em casa. Qual o problema?”

Então o Elefante não ligou.

Quando chegou em casa, os pais dele o deixaram uma semana de castigo, pois ele não avisou que ia se atrasar.

Moral: nunca dê ouvidos a um inseto falante.

Fonte: Scieszka, J & Smith, L. 2001 [1998]. Sapos não andam de skate. SP: Companhia das Letrinhas.

03 fevereiro 2010

História da inteligência brasileira

Wilson Martins

A história da inteligência brasileira começa em 1550, quando o Pe. Leonardo Nunes inicia os estudos rudimentares de Latim no Colégio dos Meninos de Jesus, em São Vicente. Quase simultaneamente, informa o Pe. Serafim Leite, que continua a ser a fonte incomparável em tudo o que se refere à missão jesuítica no Brasil, outras classes se abriram, na Bahia, no Espírito Santo e em Pernambuco; a estes núcleos elementares, seguiram-se “na Bahia, em 1553 e em São Paulo em 1554, Classes e depois Colégios propriamente ditos, a que logo se juntou o do Rio de Janeiro, quando se erigiu a cidade no Morro do Castelo (1557); e assim sucessivamente, até aos dois extremos do Brasil, com o Colégio do Pará ao Norte, e o da Colônia do Sacramento ao Sul, no Rio da Prata. Durante longos anos, o ensino público de Humanidades só se ministrou nos Pátios da Companhia de Jesus”.

Esses dados revelam desde logo algumas singularidades interessantes: é apenas na segunda metade do século XVI que o país começa a ter alguma vida intelectual, mas, quando isso ocorre, percebe-se claramente um plano instintivo de conquista espiritual, refletido na concomitância com que se instalam os colégios e na sua estratégica disseminação geográfica. Assim, desde o primeiro momento, o Brasil procurava vencer as tendências fragmentadoras do território imenso por meio da unidade de cultura: eis um país, mais do que qualquer outro, que sempre manifestou, de maneira por certo acidental, mas inequívoca, a sua “vontade de ser uma nação” (para lembrar o título célebre de Julien Benda). Certo, a “conquista espiritual”, em perspectivas jesuíticas, só podia ser entendida e aceita “ad majorem Dei Gloriam” – e, de fato, o ensino que ministravam e ministraram, se é verdade que se pode qualificar de “humanístico”, não é menos evidente que rejeitava, por definição, tudo o que pudesse ser tido por profano. E essa é a grande contradição interior do “renascimento” jesuítico, que começava por repudiar a própria razão de ser do movimento de idéias conhecido por esse nome. Num processo dialético de extrema sutileza, a Companhia de Jesus assimilou a orientação cultural do Renascimento na linha de uma empresa renovada de sobrevivência medieval: a Contra-Reforma tinha de ser, forçosamente, no século XVI, um projeto anti-renascentista, conforme a história do erasmismo na península Ibérica poderia abundantemente comprovar. Não é sem fundos motivos psicológicos e simbólicos que o único fundador português da Companhia de Jesus, o Pe. Simão Rodrigues, é também o implacável e encarniçado denunciador de Damião de Góis perante os tribunais da Inquisição; não é sem razão, tampouco, que as primeiras manifestações “literárias” na Colônia, os autos do Pe. José de Anchieta, se definem como simples restaurações – estética e historicamente anacrônicas, mas culturalmente sincrônicas – do teatro medieval.
[...]

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 1, 3ª edição. SP, Cultrix & Edusp.

01 fevereiro 2010

A chuva, uma história

Ruy Espinheira Filho

A chuva conta uma história
nas telhas, no chão de ardósia.

Fala do açude onde sonha
esse reflexo risonho

(e onde tão fundo sonharam
os sonhos dos afogados)

que é um menino em seu sonho
de horizontes tão longe

que lá (ele não sabia)
jamais chegaria a vida.

A chuva conta este conto
que é como um sonho em que sonha

esse menino, que se ergue
de sobre a luz do reflexo

(e vai com ele essa luz
de amplos espaços azuis)

à voz que o busca, de casa,
por sobre montes e vales

(para os ouvidos, demais
distante, mas chega à alma),

essa ternura que o chama
nas frias cinzas do ângelus

e o envolve, e o guia, cálida,
entre as ruínas da tarde,

e agora silencia
neste ermo fim do dia

de um homem, enquanto a chuva
chora no rosto dos muros.

Fonte: Moriconi, I., org. 2001. Os cem melhores poemas brasileiros do século. RJ, Objetiva. Poema publicado em livro em 1996.

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