23 novembro 2010

Ladainha minha

Adília Lopes

Há cem anos
que bordamos
os nossos enxovais
para nenhuma boda
nos nossos quartos
fechados à chave
os nossos noivos
enviuvaram
e andam pelo terreiro
vestidos de preto
com um fumo no braço
e cravo branco murcho
na lapela
as nossas mães
deixaram-nos
a bordar
em silencio
os nossos enxovais
de brancos que foram sendo
fizeram-se amarelos
como crisântemos
eu e as minhas irmãs
choramos a nossa sorte
copiosamente a fio
dia após dia
o pavio das nossas velas
esfuma-se
as nossas lágrimas
grossas como punhos
formam uma ribeira
que corre para o nosso mar
e o nosso mar?

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1991.


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