04 novembro 2011

Sermão do Bom Ladrão

Pe. António Vieira

Domine, memento mei, cum veneris in Regnum tuum:
Hodie mecum eris in Paradiso.

1.
Este Sermão, que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa, e não se prega na Capela Real, parecia-me, a mim, que lá se havia de pregar, e não aqui. Daquela pauta havia de ser e não desta. E por quê? Porque o Texto em que se funda o mesmo sermão, todo pertence à majestade daquele lugar, e nada à piedade deste. Uma das coisas que diz o Texto, é que foram sentenciados em Jerusalém dois ladrões, e ambos condenados, ambos executados, ambos crucificados e mortos, sem lhes valer procurador, sem embargos. Permite isto a Misericórdia de Lisboa? Não. A primeira diligência que faz, é eleger por procurador das cadeias um irmão de grande autoridade, poder e indústria; e o primeiro timbre deste procurador, é fazer honra de que nenhum malfeitor seja justiçado em seu tempo. Logo esta parte da história não pertence à Misericórdia de Lisboa. A outra parte (que é a que tomei por tema) toda pertence ao Paço e à Capela Real. Nela se fala com o rei: Domine; nela se trata do seu reino: cum veneris in Regnum tuum; nela se lhe apresentam memórias: memento mei; e nela os despacha o mesmo rei logo, e sem remissão, a outros tribunais: hodie mecum eris in Paradiso. O que me podia retrair de pregar sobre esta matéria, era não dizer a doutrina com o lugar. Mas deste escrúpulo, em que muitos pregadores não reparam, mo livrou a pregação de Jonas. Não pregou Jonas no Paço, senão pelas ruas de Nínive; cidade de mais longes que esta nossa; e diz o Texto sagrado que logo a sua pregação chegou aos ouvidos do rei: Pervenit verbum ad Regem. Bem quisera eu, que o que hoje determino pregar, chegara a todos os reis, e mais ainda aos estrangeiros que aos nossos. Todos devem imitar ao Rei dos Reis; e todos têm muito que aprender nesta última ação de sua vida. Pediu o bom ladrão a Cristo, que se lembrasse dele no seu reino: Domine, memento mei, cum veneris in Regnum tuum. E a lembrança que o Senhor teve dele, foi que ambos se vissem juntos no Paraíso: Hodie mecum eris in Paradiso. Esta é a lembrança que devem ter todos os Fiéis, e a que eu quisera lhes persuadissem os que são ouvidos de mais perto. Que se lembrem não só de levar os ladrões ao Paraíso, senão de os levar consigo: Mecum. Nem os Reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os Reis. Isto é o que hei de pregar. Ave Maria.
[...]

Fonte: Vieira, A. 2004. Sermões escolhidos. SP, Martin Claret. Pregado na Igreja da Misericórdia de Lisboa, em 1655.

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