29 abril 2012

De joelhos


“Bendita seja a Mãe que te gerou.”
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, para te adormecer!

Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer...
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te ver...

Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem,
Numa grande paixão fervente e louca!

E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!

Fonte: Espanca, F. 1996. Poemas de Florbela Espanca. SP, Martins Fontes. Poema publicado em livro em 1919.

27 abril 2012

A um pescador

Salvador Díaz Mirón

Tua canoa no afã madruga:
No firmamento luz o arrebol;
A água se estende sem uma ruga,
E a vela branca na sua fuga
Furta alguns raios ao novo sol.

Entanto rompes em cantoria,
Que, inculta e pobre, nos faz chorar:
Escuto a ingênua melancolia
Do que, inseguro do pão do dia,
Enfrenta os riscos do incerto mar!

Canta! Medrosa nos seus pesares,
A mulherzinha dirá: Senhor!
Serena as ondas, clareia os ares...
Por estes filhos, guia nos mares
O pobre barco do pescador!

Fonte: Bandeira, M. 2007. Estrela da vida inteira. RJ, Nova Fronteira.

25 abril 2012

O contexto da metamorfose


Maria Sibylla Merian (1647-1717). Metamorphosis insectorum Surinamensium, prancha 23. 1705.

Fonte da foto: Wikipedia.

23 abril 2012

Fábula

Maria José Aranha de Rezende

Um pobre vagalume,
Prestes a sucumbir, perguntou, num queixume,
À serpente feroz:

– “Há tantos animais pela estrada que trilhas,
Que poderão matar a tua fome atroz,
Por que escolhes a mim, pequenino e inocente?”

E, cheia de rancor, respondeu a serpente:
– “Apenas, porque... brilhas”.

Fonte: Lenko, K. & Papavero, N. 1979. Insetos no folclore. SP, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas. Poema publicado em livro em 1953.

21 abril 2012

Verdade necessária

Willard Van Orman Quine

Se as pessoas julgassem que pouco do que ocorre nesse mundo acontece por necessidade, certamente não teriam emprego para o advérbio “necessariamente”. O advérbio, no entanto, é de uso corrente. Depreende-se que as pessoas devem julgar que há muita coisa que sucede por necessidade.

Se as pessoas pensassem que praticamente tudo que sucede, acontece por necessidade, não haveria, por certo, muita ocasião em que se justificasse o uso do advérbio “necessariamente”; na maioria das vezes ele estaria implícito. Depreende-se que as pessoas devem imaginar que há muitas coisas que sucedem de modo necessário e que há outras tantas coisas que não sucedem assim. Presume-se que as pessoas disponham de algum critério que lhes permita separar os estados e acontecimentos que se sucedem, distribuindo-os de modo que alguns aconteçam por necessidade e outros não. Se assim não fosse, o advérbio “necessariamente” seria bem menos empregado. Pelo menos é o que parece.

Em verdade, porém, a presunção é sem fundamento. As pessoas não dispõem de tal critério. Estariam em situação embaraçosa se precisassem classificar os acontecimentos que sucedem, separando-os em necessários e não necessários. Com efeito, o advérbio “necessariamente”, tal como costumeiramente empregado, não determina a necessidade de acontecimentos ou estados passados ou presentes.
[...]

Fonte: Morgenbesser, S. org. 1979. Filosofia da ciência. SP, Cultrix.

19 abril 2012

A voz das árvores

Alberto de Oliveira

Acordo à noite assustado.
Ouço lá fora um lamento...
Quem geme tão tarde? O vento?
Não. É um canto prolongado,
– Hino imenso a envolver toda a montanha;
São em música estranha
Jamais ouvida,
As árvores ao luar que nasce e as beija,
Em surdina cantando,
Como um bando
De vozes numa igreja:
Margarida! Margarida!

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial.

17 abril 2012

Jogadores


William Morris Hunt (1824-1879). The ball players. 1877.

Fonte da foto: The Athenaeum. Não confundir com o pintor inglês William Holman Hunt.

15 abril 2012

Petrópolis

Alberto Torres

Vagueio sem destino... os olhos preguiçosos,
Ora aqui, ora ali, pousando: sobre as flores,
Sobre as casas, o mato e os trilhos sinuosos
Que vêm sulcando à tarde exaustos lenhadores.

Pára o alto de um morro; entre os flocos nervosos,
Sobre a paisagem morta, os últimos fulgores
O Sol do estio lança, em raios vaporosos
Como sonhos de Luz sobre o sono das cores...

A meus pés, a cidade: as largas avenidas,
Os jardins, e, por entre as árvores, a gente,
Da qual a brisa traz as vozes, confundidas

À do rio que corre entre as pedras gemente...
E eu lanço, então, sobre eles estas rimas... perdidas
Flores que irão boiar, morrer sobre a corrente.

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em 1906.

13 abril 2012

A percepção de dor

Ronald Melzack

Mesmo considerando que a dor seja uma experiência reservada e pessoal, nunca procuramos defini-la numa conversa comum. De fato, ninguém que tenha trabalhado com o problema da dor pôde jamais defini-la de um modo que satisfizesse a todos os seus colegas. Comparada, por exemplo, com a visão ou a audição, a percepção de dor parece simples, imediata e primitiva. Esperamos que os sinais nervosos evocados por ferimentos “se apresentem”, a menos que estejamos inconscientes ou anestesiados. Mas experimentos mostram que nem sempre a dor é percebida depois de um ferimento, mesmo que estejamos completamente conscientes e alertas. Assim, um conhecimento da percepção de dor vai além do problema da própria dor: auxilia-nos a compreender a enorme plasticidade do sistema nervoso e como cada um de nós responde ao mundo de maneira única.
[...]

Acreditamos agora que a dor se refira a uma categoria de experiências complexas, não a uma sensação única produzida por um estímulo específico. Em seu ensaio “On being ill”, Virgínia Woolf toca precisamente nesse ponto. “O inglês, escreveu ela, que pode exprimir os pensamentos de Hamlet e a tragédia de Lear, não tem palavras para o calafrio e a dor de cabeça... Qualquer estudante, quando se apaixona, tem Shakespeare e Keats para falar por ela; mas tente um sofredor descrever sua dor de cabeça a um médico e a linguagem se tornará imediatamente pobre.”

Estamos começando a reconhecer a pobreza da linguagem para descrever as muitas qualidades diferentes da experiência sensorial e afetiva, que simplesmente categorizamos sob o amplo título de “dor”. Estamos cada vez mais conscientes da plasticidade e labilidade dos fenômenos que ocorrem no sistema nervoso central. Sabemos que na parte inferior do cérebro, pelo menos, os padrões de impulsos produzidos por estímulos dolorosos percorrem múltiplos caminhos, indo para regiões amplas do cérebro, e não por um único caminho para um “centro da dor”. A evidência psicológica confirma enfaticamente que a dor é uma experiência perceptual, cuja qualidade e intensidade são influenciadas pela única história passada do indivíduo, pelo sentido que ele dá à situação que produz a dor e por seu “estado mental” no momento. Acreditamos que todos esses fatores tenham um papel na determinação dos padrões reais dos impulsos nervosos que sobem ao cérebro e que transitam dentro do próprio cérebro. Dessa forma, a dor se torna uma função do indivíduo como um todo, incluindo seus temores e idéias atuais, bem como suas esperanças do futuro.

Fonte: Melzack, R. 1977. A percepção de dor. In: Scientific American, Psicobiologia: as bases biológicas do comportamento. RJ, LTC. Artigo originalmente publicado em 1961.

12 abril 2012

Sessenta e seis meses no ar

F. Ponce de León

Nesta quinta-feira, 12/4, o Poesia contra a guerra completa cinco anos e seis meses no ar. Ao fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue indicava que 165.407 visitas foram registradas ao longo desse período.

Desde o balanço mensal anterior – Sessenta e cinco meses no ar – foram aqui publicados textos dos seguintes autores: Aziz Nacib Ab’Sáber, Frei Betto, Humberto de Campos, John Boyd Orr, Mark Knopfler, Nina Lugovskaia, Pedro Juan Vignale e William F. Cunningham. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Domenico Ghirlandaio, Hugues Merle e Pierre-Auguste Cot.

10 abril 2012

On every street

Mark Knopfler

There’s gotta be a record of you someplace
You gotta be on somebody’s books
The lowdown – a picture of your face
Your injured looks
The sacred and profane
The pleasure and the pain
Somewhere your fingerprints remain concrete
And it’s your face I’m looking for on every street

A ladykiller – regulation tattoo
Silver spurs on his heels
Says – what can I tell you, as I’m standing next to you
She threw herself under my wheels
Oh it’s a dangerous road
And a hazardous load
And the fireworks over liberty explode in the heat
And it’s your face I’m looking for on every street

A three-chord symphony crashes into space
The moon is hanging upside down
I don’t know why it is I’m still on the case
It’s a ravenous town
And you still refuse to be traced
Seems to me such a waste
And every victory has a taste that’s bittersweet
And it’s your face I’m looking for on every street

Fonte: encarte que acompanha o LP do álbum On every street (1991), do Dire Straits.

08 abril 2012

A tempestade


Pierre-Auguste Cot (1837-1883). La tempête. 1880.

Fonte: Wikipedia.

06 abril 2012

As pombas


Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

Fonte: Cereja, W. R. & Magalhães, T. C. 1995. Literatura brasileira. SP, Atual. Poema publicado em livro em 1883.

04 abril 2012

A Fazenda do Manso

Frei Betto

Fui sempre um ser asfáltico, desses que precisam consultar enciclopédias quando se trata de distinguir um carvalho de um álamo. Entendi de legumes e de verduras quando, noviço no convento dominicano da Serra, em belo Horizonte, encarreguei-me da horta em 1965. Escolhia as mudas, coava o lixo para adubo, preparava a terra e semeava. Senti-me feliz no dia em que levei à cozinha o primeiro maço de alfaces frescas. E compreendi por que as pessoas que trabalham no campo são mais calmas do que as que habitam cidades: na terra, 50% faz o homem; 50%, a natureza. Assim como a gestação torna as mulheres mais pacientes.

Hoje ando por sítios e fazendas em busca de solidão para escrever. O Das catacumbas, 2º volume de minhas cartas da prisão, nasceu na fazendo do Edgar Maneira, perto de Araxá. Meu primeiro romance, O dia de Ângelo, que chegou às livrarias em maio, começou há três anos no Sítio Querença, de André Hippólito e Marlene França. E meu livro de contos, O aquário negro, foi todo escrito, em 1978, na Fazenda do Manso, próxima a Ouro Preto. Lugar histórico e de histórias à espera de um bom talento literário.

A Fazenda do Manso está intimamente ligada à figura extraordinária de seu proprietário, Tarquínio Barbosa de Oliveira. Executivo de sucesso, diretor de diversos laboratórios, em meados dos anos 70, Tarquínio, que cultivava especial interesse pela história da Rebelião Mineira (inapropriadamente qualificada de Inconfidência), ousou dar o passo que muitos homens de empresa acalentam quando se dedicam à vida intelectual: largou São Paulo, as mordomias de suas funções, a família (que mais tarde se reuniu a ele), as recepções, pegou a barraca da filha e foi acampar no alto da estrada de Saramenha, junto ao velho casarão construído pelos bandeirantes no século 17.

Não tardou muito para que Tarquínio construísse os dois conjuntos em estilo colonial, cujas paredes, e até mesmo os degraus das escadas, abrigavam seleta biblioteca com cerca de 5.000 volumes. Não havia ali um único livro sobre o qual ele não pudesse discorrer. Era uma enciclopédia viva e nisso se parecia com Fidel Castro: revelava grande interesse por qualquer assunto, da história da construção da Muralha da China à influência da Lua na evolução dos fungos. Abria o coração e a adega a pobres e ricos, adultos e crianças, como se a sua felicidade fosse proporcional à alegria que pudesse proporcionar aos amigos. Ali, entre livros e vinhos, tivemos longos papos e acompanhei o esforço que ele e sua mulher, Guida, fizeram para reativar a plantação de chá (um dos melhores que já tomei no Brasil), pôr o gado no pasto, instalar a pocilga e iniciar a criação de trutas. Porém, os bancos davam créditos cujos juros floresciam e se multiplicam muito antes que a natureza apresentasse seus frutos...

Enquanto o poder público não se interessava por restaurar a velha casa dos bandeirantes, Tarquínio dedicava-se aos estudos das Cartas chilenas, sobre as quais escreveu um ensaio clássico, e a organizar os Anais da Inconfidência. Dizia-me sempre que o suicídio de Cláudio Manual da Costa lembrava o de Vladimir Herzog. Num domingo, partilhamos verduras e assados com a presença calorosa do dr. Alceu Amoroso Lima, ouro-pretano de coração. Foi então que descobri que a estrada de terra diante daquela fazenda abrigada entre montanhas, sob um clima europeu, não conduzia apenas ao pico do Itacolomi. Levava também a um antigo quilombo, talvez o único remanescente ainda no Brasil: Lavras Novas. Já avisei a meus amigos repórteres, mas ninguém quis ver para crer.

Lavras Novas possui uma população que não ultrapassa quinhentos habitantes. Todos negros, vivendo do mesmo ofício de transformar o vime em cadeiras e cestos. Não há propriedade privada. A terra “é da santa”. Nem polícia, apenas um velho sábio que dirime os conflitos na comunidade. Nenhuma farmácia quando estive lá. Dominavam os segredos das ervas. E temi pela televisão que ameaçava chegar. Até então as novelas eram a memória da raça contada e recontada em torno da fogueira ou do lampião.

Nunca mais retornei. Deus andava apressado para desfrutar do papo do Tarquínio e levou-o há poucos anos. Morreu antes do tempo e permanece vivo no coração de meus pais, seus melhores amigos, e na arte do livro de minha mãe, Fogão de lenha, que reúne trezentos anos de cozinha mineira. Obra cozinhada e confeitada graças ao apoio dele. O que me consola é a certeza de que Tarquínio Barbosa de Oliveira teve tempo de viver o que muitos sonham e poucos têm coragem: fazer o que gosta e gostar do que faz.

Fonte: Betto, Frei. 1987. A Fazenda do Manso. Globo Rural 22: 96.

02 abril 2012

Reprovações


Se sois homem valeroso,
Dizem que sois temerário,
Se valente, espadachim,
E atrevido, se esforçado.

Se resoluto, – arrogante,
Se pacífico, sois fraco,
Se precatado, – medroso,
E se o não sois, – confiado.

Se usais justiça, um Herodes,
Se favorável, sois brando,
Se condenais, sois injusto,
Se absolveis, estais peitado.

Se vos dão, sois um covarde,
E se dais, sois desumano,
Se vos rendeis, sois traidor,
Se rendeis, – afortunado.

Se sois plebeu, sois humilde,
Soberbo, se sois fidalgo,
Se sois segundo, sois pobre,
E tolo se sois morgado.

Se galeais, sois fachada
E se não, – não sois bizarro,
Se vestis bem, sois grã-moda,
Se mal vestis, sois um trapo.

Se comeis muito, guloso,
E faminto, se sois parco,
Se comeis bem, regalão,
E se mal, nunca sois farto.

Se não sofreis, imprudente,
Se sofreis, sois um coitado,
Se perdoais, sois bom homem,
E se não sois – um tirano.

Se brioso, tendes fumos,
E se não, sois homem baixo,
Se sois sério, – descortês,
Se cortês, afidalgado.

Se defendeis, sois amigo,
Se o não fazeis, sois contrário,
Se sois amigo, suspeito,
Se o não sois, – afeiçoado.

Se obrais mal, sois ignorante,
Se bem obrais, foi acaso,
Se não servis, sois isento,
E se servis, sois criado.

Se virtuoso, – fingido,
E hipócrita se beato,
Se zeloso, – impertinente,
E se não, sois um pastrano.

Se sois sisudo, – intratável,
Se sois devoto, sois falso,
Pertinaz, se defendente,
Se argüinte, porfiado.

Se discreto, – prevenido,
E se não, sois insensato.
Se sois modesto, sois simples,
E se o não sois, sois um diabo.

Se sois gracioso, sois fátuo,
E se o não sois, um marmanjo,
Se sois agudo, – tresledes,
E se o não sois, sois um asno.

Se não compondes, sois néscio,
Se escreveis, sois censurado,
Se fazeis versos, sois louco,
Se o não fazeis, sois parvo.

Se previsto, – feiticeiro,
E se não, desmazelado,
Se verdadeiro, – bom homem,
Muito humilde, se sois lhano.

Se robusto, sois grosseiro,
Se delicado, sois brando,
Se descansado, – ocioso,
Se pára pouco, sois tranco.

Se sois gordo, sois balofo,
Sois tísico, se sois magro,
Se pequeno, sois anão,
E gigante, se sois alto.

Se sois nobre, sois pelão,
E se oficial, sois baixo,
Se solteiro, – extravagante,
Se noivo, sois namorado.

Se corado, figadal,
Descorado, se sois alvo,
Se grande nariz, – judeu,
Se trigueiro, sois mulato.

Se liberal, sois perdido,
E se o não sois, sois escasso,
Se sois pródigo, vicioso,
E avarento, se poupado.

Se não despendeis, – mesquinho,
Se despendeis, sois um largo,
Se não gastais, – miserável,
Se gastais, – esperdiçado.

Se honesto sois, não sois homem,
Impotente, se sois casto,
Se não namorais, fanchono,
Se o fazeis, sois estragado.

Se não luzis, não sois gente,
Se luzis, sois mui pregado,
Se pedis, sois pobretão,
E se não, fazeis Calvários.

Se andais devagar, – mimoso,
Se depressa, sois cavalo,
Mal encarado, se feio,
Se gentil, efeminado.

Se falais muito, palreiro,
Se falais pouco, sois tardo,
Se em pé, não tendes assento,
Preguiçoso, se assentado.

E assim não pode viver
Neste Brasil infestado,
Segundo o que vos refiro
Quem não seja reprovado.

Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.

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