25 junho 2012

Caramuru

Santa Rita Durão

Canto 6

38.
“Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem...
Porém o tigre por cruel que brame,
Acha forças amor, que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame:
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,
Como não consumis aquele infame?
Mas pagar tanto amor com tédio, e asco...
Ah! que corisco és tu... raio... penhasco.

39.
Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,
Quando eu a fé rendia ao teu engano;
Nem me ofenderas a escutar-me altivo,
Que é favor, dado a tempo, um desengano;
Porém deixando o coração cativo
Com fazer-te a meus rogos sempre humano,
Fugiste-me, traidor, e desta sorte
Paga meu fino amor tão crua morte?

40.
Tão dura ingratidão menos sentira,
E esse fado cruel doce me fora.
Se o meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora:
Por serva, por escrava te seguira,
Se não temera de chamar Senhora
A vil Paraguaçu, que sem que o creia,
Sobre ser-me inferior, é néscia, e feia.

41.
Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar moribunda entre estas ondas;
Nem o passado amor teu peito incita
A um ai somente, com que aos meus respondas;
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
(Disse, vendo-o fugir), ah não te escondas;
Dispara sobre mim teu cruel raio...”
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

42.
Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo;
Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desce ao fundo;
Mas na onda do mar, que irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo:
“Ah! Diogo cruel!” disse com mágoa,
E sem mais vista ser, sorveu-se n’água.

Fonte (estrofes 38, 40-42): Cereja, W. R. & Magalhães, T. C. 1995. Literatura brasileira. SP, Atual. O poema inteiro, publicado em livro em 1781, comporta 10 cantos; o trecho acima corresponde às estrofes 38-42 do Canto 6 (79 estrofes).

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