19 julho 2013

Para uns, negro

Rosalía de Castro

Para uns, negro;
para outros, branco;
e para todos,
deslocado.
Rosalía de Castro

1.
– Sê astuto, se é que sabes;
Vinga-te das ofensas, se é que podes;
A quem te sirva, paga-lhe;
Mas a quem não te dá, nunca dês;
Porque a moral dos santos
Não reza sempre com a moral dos homens.

Isto um galego montanhês e rude,
Farto de humilhações e de rancores,
Ao agonizar aconselhava a um filho,
Herdeiro dos seus males e do seu nome.

2.
– Sé ingênuo e leal sempre,
Perdoa a quem te ofenda,
Faze sempre o bem a amigos e inimigos
E, com a porta aberta, sem temor, espera:
Não há mais do que um Deus e uma moral que salve
Os tristes filhos de Eva.

Isto a pobre viúva
Do montanhês, morrendo na miséria,
Resignada a seu filho dizia...
E a Deus a alma entregou serena.

3.
E fez-lhe ele as honras,
Mas só com gemidos e com lágrimas;
Padre não houve ao redor, que à pobre
O enterro de esmola lhe cantasse.
Num canto do átrio,
Juntos às ásperas hortelãs que medravam,
Sem cruz, sinal ou lousa,
Ali ficou perdida e sepultada;
E triste e só o filho
Tornou, sanhoso, à solitária casa.

– Meu pai deu-me um conselho – ia pensando –
E minha mãe deu-me outro;
E se ela tinha santidade e consciência,
Experiência e saber tinha ele bastante.
Sou filho dele e dela...
Partirei, pois, a herança em duas partes.
Minha mãe, farei o bem a quem te fez...
Meu pai, vingança pedem teus ossos.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema publicado em livro em 1880.

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