10 agosto 2013

Vila Rica de Ouro Preto

Eduardo Galeano

A febre de ouro, que continua impondo a morte e a escravidão aos indígenas da Amazônia, não é nova no Brasil; muito menos seus estragos.
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“Aqui o ouro era mato”, diz, agora, o mendigo, e seu olhar passeia pelas torres das igrejas. “Tinha ouro nas calçadas, crescia como pasto.” Agora ele tem 75 anos e se considera uma tradição de Mariana (Ribeirão do Carmo), a pequena cidade mineira próxima a Ouro Preto, que se conserva, como Ouro Preto, paralisada no tempo. “A morte é certa, a hora é incerta. Cada um tem seu tempo marcado”, me diz o mendigo. Cospe sobre a escada de pedra e sacode a cabeça: “Não sabiam onde pôr o dinheiro e por isso faziam uma igreja ao lado da outra.”
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Ao longo do século 18, a produção brasileira do cobiçado minério superou o volume total de ouro que a Espanha tinha extraído de suas colônias durante os dois séculos anteriores. Choviam os aventureiros e os caçadores de fortuna. O Brasil tinha 300 mil habitantes em 1700; um século depois, no final dos anos do ouro, a população tinha-se multiplicado onze vezes. Não menos de 300 mil portugueses emigraram para o Brasil durante o século 18, “um contingente maior de população... do que a Espanha levou a todas suas colônias da América”. Estima-se em uns 10 milhões o total de negros escravos introduzidos desde a África, a partir da conquista do Brasil até a abolição da escravatura: apesar de não se dispor de cifras exatas para o século 18, deve-se ter em conta que o ciclo do ouro absorveu mão-de-obra escrava em proporções enormes.

[...] No centro dinâmico da florescente economia mineira, brotaram as cidades, acampamentos nascidos do boom e bruscamente ampliados na vertigem da riqueza fácil, “santuários para criminosos, vagabundos e malfeitores” – segundo as educadas palavras de uma autoridade colonial da época. A Vila Rica de Ouro Preto tinha conquistado categoria de cidade em 1711; nascida da avalanche de mineiros, era a quintessência da civilização do ouro. Simão Ferreira Machado a descrevia, 23 anos depois, e dizia que o poder dos comerciantes de Ouro Preto excedia incomparavelmente ao dos mais florescentes mercadores de Lisboa. “Para aqui, como para um porto, se dirigem e são recolhidas na casa real da moeda as grandiosas somas de ouro de todas as minas. Aqui vivem os homens mais bem educados, tanto os leigos como os clérigos. Este é o assento de toda a nobreza e força dos militares. Esta é, em virtude de sua posição natural, a cabeça da América íntegra; e pelo poder de suas riquezas, a pérola preciosa do Brasil.Outro escritor da época, Francisco Tavares de Brito, definia Ouro Preto em 1732 como “a Potosí de ouro”.
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Fonte: Galeano, E. 1979 [1976]. As veias abertas da América Latina, 6ª edição. RJ, Paz & Terra.

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