25 novembro 2013

Ars poetica

Myriam Fraga

Poesia é coisa
De mulheres.
Um serviço usual,
Reacender de fogos.

Nas esquinas da morte,
Enterrei a gorda
Placenta enxundiosa;
E caminhei serena
Sobre as brasas
Até o lado de lá
Onde o demônio habita.

Poesia é sempre assim:
Uma alquimia de fetos,
Um lento porejar
De venenos sob a pele.

Poesia é a arte
Da rapina.
Não a caça, propriamente,
Mas sempre nas mãos
Um lampejo de sangue.

Em vão,
Procuro meu destino:
No pássaro esquartejado
A escritura das vísceras.

Poesia como antojos,
Como um ventre crescendo,
A pele esticada
De úteros estalando.

Poesia é esta paixão
Delicada e perversa,
Esta umidade perolada
A escorrer de meu corpo,

Empapando-me as roupas
Como uma água de febre.

Fonte (três primeiras estrofes): Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1996.

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