02 junho 2014

Um capelão do demônio?

Adrian Desmond & James Moore

O ano é 1839. A Inglaterra despenca em direção à anarquia, com agitações e tumultos em todo o país. Os jornais sensacionalistas estão em ebulição, bombas incendiárias voam. O clamor nas ruas é pela revolução. Evolucionistas vermelhos – visionários que enxergam a vida marchando inexoravelmente para o alto, [impulsionada] pela base – denunciam os sustentáculos de uma sociedade ultrapassada e estática: os privilégios clericais, a exploração salarial e os asilos de pobres. Um milhão de socialistas fustigam o casamento, o capitalismo e a gorda e corrupta Igreja oficial. Cristãos radicais unem-se a eles – dissidentes carolas, que condenam a igreja ‘fornicadora’ como uma ‘meretriz’, na cama com o Estado.

Mesmo a ciência deve ser expurgada, pois, para os ateus de sarjeta, os átomos materiais são tudo o que existe neste mundo, e, assim como os ‘átomos sociais’ – as pessoas –, são capazes de se auto-organizar. Espíritos e almas são uma ilusão, parte da cruel trapaça das classes altas para subjugar o povo trabalhador. A ciência da vida – a Biologia – jaz arruinada, prostituída, transformada pelo clero em uma cidadela criacionista. A Grã-Bretanha está oscilando à beira do colapso – ou assim parece às classes [altas] que cerram fileira para proteger seus privilégios.

Nesse exato momento, como poderia um ambicioso cavalheiro de trinta anos de idade dar início a um caderno secreto de anotações e, com uma abrangência imprudente, sugerir que moluscos acéfalos e [hermafroditos] são os ancestrais da humanidade? Filho de um grande proprietário de terras, educado em Cambridge e que tinha sido destinado ao sacerdócio. Um homem cuja família inteira detestava os ‘furiosos & licenciosos’ arruaceiros radicais.
[...]

Fonte: Desmond, A. & Moore, J. 2000. Darwin: A vida de um evolucionista atormentado, 3ª edição. SP, Geração Editorial.

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