31 janeiro 2015

Retificação

F. Ponce de León

Percebi hoje (31/1) que, por engano, um mesmo poema (‘Venho de longe, trago o pensamento’) foi publicado neste blogue duas vezes (3/12/2008 e 29/12/2013). A confusão aparentemente surgiu em função de variações na grafia do nome do autor: Paulo Bomfim (aqui) e Paulo Bonfim (aqui). A grafia correta, adotada pelo próprio autor, é a primeira.

29 janeiro 2015

Enfisema pulmonar

Sebastião Nunes

duas e meia da tarde. 10 de junho de 1984.
mãos secas. pés juntos. algodoais no nariz.
véu negro sobre o rosto: tímido noivo de vermes.
rotineira terra roxa sobre o cadáver de cera.

vai embora levi e seus 40 quilos de osso.
vai embora o enfisema: missão cumprida.
vão embora pescarias. cigarros de palha. tosses.
revólver na cintura. carteados. o olho de cobra.

o coveiro sua e pragueja: antes ele do que eu.
foi tudo muito rápido. silencioso. sem queixas.
1 metro e 58 e nunca confessou nada. nem a padre.
nunca pediu nada. nunca aceitou nada. nem de deus.

tão pequeno para um orgulho tão grande.
feroz como todos os pequenos. duro como diamante.
até que finalmente tudo passou – e nada.
que diferença faz? séculos ou mitos ou segundos.
grandes ilusões rastejam entre lagartixas.

e então é verdade: então a vida não passa disto:
um sopro: um cisco no olho: um sopro: e nada.

Fonte (primeira estrofe): Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema publicado em livro em 1985.

27 janeiro 2015

Desertos em marcha

Paul B. Sears

3.
[...]
Ao tempo de Carlos Magno, que foi um chefe esclarecido, iniciou-se a destruição das florestas da Europa Ocidental, operação que continuou através do século 13. No fim da Idade Média, a terra estava grandemente despida de suas árvores, como a região mediterrânea antes da era cristã, e surgiram leis severas contra o corte. As ideias avançadas herdadas de Roma logo se perderam. Os campos foram usados e depois abandonados. Os lordes feudais mudavam seus quartéis-generais de um castelo para outro, para fugir, ao que se disse, da sujeira acumulada. Mas o coeficiente de tolerância da sujeira era tão alto naqueles dias que a mudança devia ser ocasionada pelo propósito de usar novas fontes de alimento à medida que os velhos campos se exauriam. Tal sistema é errôneo. A recuperação leva muito tempo e uma parte muito grande da terra fica parada. Figuras pintadas e esculpidas do período representam seres humanos emaciados e raquíticos; e como essas figuras eram mais comuns na arte [sacra], ainda achamos, em grande parte, que anemia e santidade são inseparáveis. A culpa, na verdade, era da dieta inadequada e da má nutrição em imensa escala, como encontramos em comunidades rurais atrasadas.
[...]

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Companhia Editora Nacional & Edusp. Trecho de livro originalmente publicado em 1935.

25 janeiro 2015

O pequeno pastor


Franz von Lenbach (1836-1904). Hirtenknabe. 1860.

Fonte da foto: Wikipedia.

23 janeiro 2015

Os tentilhões

Jonathan Weiner

Existem 13 espécies de tentilhões nas Galápagos. Algumas são tão parecidas que, durante a época do acasalamento, elas mesmas têm dificuldade em se identificar. Mas são também peculiar e impressionantemente diversas.

Os machos que Rosemary capturou esta manhã são [tentilhões-do-cacto]. Essas [aves] usam mais os cactos do que os índios das planícies usaram os búfalos. Ali eles fazem ninho; ali eles dormem; muitas vezes, ali eles se acasalam; bebem seu néctar; comem suas flores, pólen e sementes. Em retorno, polinizam os cactos, como abelhas.

Duas outras espécies de [tentilhões] usam ferramentas. Eles pegam um galho, um espinho, ou um pecíolo e o afiam com o bico. Depois o enfiam na casca de galhos mortos e conseguem tirar dali as larvas.

Um tentilhão nutre-se de folhas verdes, o que uma [ave] não deveria fazer. Outro, o [tentilhão-vampiro], encontrado principalmente nas muralhas de pedra, acidentadas e remotas, das ilhas de Wolf e Darwin, pousa nas costas dos mergulhões, bica suas asas e caudas, tira sangue deles e bebe. Os vampiros também esmigalham os ovos dos mergulhões contra as rochas e bebem a gema. Bebem até o sangue de seus mortos.

Existe uma espécie vegetariana que sabe descascar um galho em longas tiras retorcidas, como as lascas de madeira de Geppetto, para chegar ao câmbio e ao floema. Existem também espécies que pousam nas costas dos iguanas e os livram dos carrapatos. O iguana convida um tentilhão a pousar como um gato que quer ser acariciado.

A árvore genealógica inteira dos [tentilhões] está marcada por esses tipos de especializações excêntricas, e cada espécie tem um bico adequado a elas. Robert Bowman, evolucionista que estudou essas aves muito antes dos Grants [Peter e Rosemary], traçou um mapa certa vez comparando os seus bicos com diferentes tipos de alicate. Os [tentilhões-do-cacto] carregam o alicate para os trabalhos pesados de um guarda-linha. Outras espécies portam análogos dos alicates diagonais de alavanca, dos alicates longos, dos alicates de fixação e dos alicates nariz-de-agulha curvos e retos.
[...]

Fonte: Weiner, J. 1995. O bico do tentilhão. RJ, Rocco.

21 janeiro 2015

Succubus

Alphonsus de Guimaraens

Às vezes, alta noite, ergo em meio da cama
O meu vulto de espectro, a alma em sangue, os cabelos
Hirtos, o torvo olhar como raso de lama,
Sob o tropel de um batalhão de pesadelos.

Pelo meu corpo todo uma Fúria de chama
Enrosca-se, prendendo-o em satânicos elos:
– Vai-te Demônio encantador, Demônio ou Dama,
Loira Fidalga infiel dos infernais Castelos!

Como um danado em raiva horrenda, clamo e rujo.
Hausto por hausto aspiro um ar de enxofre: tento
Erguer a voz, e como um réptil escabujo.

– Quem quer que sejas, vai-te, ó tu que assim me assombras!
Acordo: o céu, lá fora, abre o olhar sonolento,
Cheio da compunção dos luares e das sombras.

Fonte: Ricieri, F., org. 2008. Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. SP, Ibep. Poema publicado em livro em 1902. ‘Alphonsus de Guimaraens’ é pseudônimo de Afonso Henriques da Costa Guimarães.

19 janeiro 2015

More than this

Bryan Ferry

I could feel at the time
There was no way of knowing
Fallen leaves in the night
Who can say where they’re blowing
As free as the wind
Hopefully learning
Why the sea on the tide
Has no way of turning

More than this, there is nothing
More than this, tell me one thing
More than this, there is nothing

It was fun for a while
There was no way of knowing
Like a dream in the night
Who can say where we’re going
No care in the world
Maybe I’m learning
Why the sea on the tide
Has no way of turning

More than this (…)

Fonte: VHS do filme Lost in translation (2003). Canção originalmente gravada em 1982.

17 janeiro 2015

Veículos automotores e aquecimento global

Michael P. Walsh

Os veículos automotores geram mais poluição atmosférica do que qualquer outra atividade humana. Entre os gases-estufa emitidos pelos veículos automotores (ou a eles atribuíveis) estão os clorofluorcarbonos (CFC), o dióxido de carbono (CO2), o óxido nitroso (N2O), o metano (CH4) e os precursores do ozônio troposférico –hidrocarbonetos (HC) e óxidos de nitrogênio (NOx). Os veículos automotores também são a principal fonte de monóxido de carbono (CO), que tem papel importante nas concentrações de metano e ozônio troposférico. Neste capítulo, descrevo em linhas gerais onde, como e em que quantidade são emitidos os gases-estufa pelos veículos automotores e analiso os outros poluentes emitidos. Em seguida, considero as tendências no aumento do número de veículos automotores no mundo e seu provável impacto no aquecimento global, se deixarmos essas tendências seguirem livremente seu curso, sem nos esforçarmos ou para reduzir ainda mais as emissões ou para reduzir o número de veículos – ou as duas opções acima.
[...].

A política correta para tratar dos problemas ambientais locais e globais causados pelos veículos teria os seguintes elementos:

** Padrões rígidos de emissões de CO, HC e NOx, de forma que os novos veículos vendidos nos EUA (e mundialmente) sejam equipados com controles de emissão ultramodernos;

** Padrões de emissão de dióxido de carbono suficientes para diminuir em 20% as emissões da frota global a curto prazo e em 50% a longo prazo (levando-se em consideração não só as emissões diretas, mas também as emissões associadas à extração, fabricação e distribuição de combustíveis). Isso talvez implique níveis de eficiência de combustível para os futuros veículos de aproximadamente 40 mpg [milhas por galão] até o ano 2000 e de 90 mpg até 2030, a menos que se limite o aumento de milhagem rodada por veículos;

** Minimização do potencial de aumento contínuo do número e uso de veículos. No mínimo, isso deveria incluir a adoção de políticas governamentais que ofereçam alternativas atraentes ao uso de carros particulares. Um outro elemento importante seria o aumento gradativo das tarifas energéticas, para estimular as pessoas a pagarem por veículos e combustíveis altamente eficientes e a tomarem decisões sobre estilo de vida que possivelmente minimizarão as viagens de carro, bem como os outros usos da energia.

Fonte: Legget, J., ed. 1992. Aquecimento global: O relatório do Greenpeace. RJ, Editora da FGV.

15 janeiro 2015

O caso dos dez negrinhos (romance policial brasileiro)

Braulio Tavares

Dez negrinhos numa cela
e um deles já não se move.
Fugiram de manhã cedo,
mas eram nove.

Nove negrinhos fugindo
e um deles, o mais afoito,
dançou: cruzou com uma bala...
Correram oito.

Oito negrinhos trabalham
de revólver e canivete;
roupa cáqui vem chegando,
fugiram sete.

Sete negrinhos passando
pela rua de vocês;
alguém chamou a polícia,
correram seis.

Seis negrinhos dão o balanço:
bolsa, anel, relógio, brinco...
Houve um erro na partilha,
sobraram cinco.

Cinco negrinhos de olho
na saída do teatro.
Um vacilou, deu bobeira...
Correram quatro.

Quatro negrinhos trombando,
todos quatro de uma vez.
Um deles a gente agarra,
mas fogem três.

Três negrinhos que batalham
feijão, farinha e arroz.
Um se deu mal: a comida
dava pra dois.

Dois negrinhos se embebedam
de brahma, cachaça e rum.
Discussão, briga, navalha...
e fica um.

E um negrinho vem surgindo
no meio da multidão.
Por trás desse derradeiro...
vem um milhão.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1999.

13 janeiro 2015

Ancianato


Max Liebermann (1847-1935). Altmännerhaus in Amsterdam. 1880.

Fonte da foto: Wikipedia.

12 janeiro 2015

Noventa e nove meses no ar

F. Ponce de León

Nesta segunda-feira, 12/1, o Poesia contra a guerra completa oito anos e três meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 262.483 visitas.

Desde o balanço anterior – Oito anos e dois meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Alain Manier, Bertrand Jordan, Charles Cockell, Fernando Mitre, Francisco Xavier da Silva, Françoise Dolto, Friedrich Engels, Giacomo Leopardi, Glenn D. Everett, Martinus Nijhoff e Morton Beckner. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Max Slevogt e Mestre Ataíde.

11 janeiro 2015

Um poder sem precedentes

Bertrand Jordan

Acordei com um troar surdo. Em algum lugar no alto-mar, uma ventania levantou violentas ondas cuja ressaca vem bater nos rochedos, um pouco abaixo de mim. Deitado acima do mar invisível, animalzinho frágil feito de carne, osso e sangue, sinto-me bem pequeno na noite imensa. O mundo dos homens, meu mundo, me parece bem distante, como se eu estivesse perdido no infinito do espaço e do tempo... Isso não passa de uma ilusão, meus semelhantes estão bem próximos, e seu poderio só faz aumentar... Eu mesmo contribuí para ele, sem necessariamente avaliar na época tudo o que estava em jogo.

Pois há bem pouco tempo acrescentamos a nossos poderes materiais o poder de intervir no ser vivo. Não nos contentamos mais em ler as mensagens inscritas no DNA, em destrinçar os mecanismos que animam a célula: aprendemos a modificar o genoma dos organismos. Na verdade, esses métodos, designados sob o nome global de engenharia genética, foram inicialmente utilizados com fins de pesquisa de base: foi recortando o DNA humano em fragmentos, isolando cada um deles numa bactéria, que conseguimos, a partir de meados dos anos 1970, proceder a seu estudo aprofundado; foi assim que isolei e depois decifrei ‘meu’ gene de histocompatibilidade... Mas essas técnicas também são empregadas na realização de verdadeiras ‘manipulações genéticas’: extração de um gene no DNA de uma espécie, seguida de sua inserção no genoma de uma outra a fim de conferir propriedades novas ao organismo transgênico assim obtido. Sabemos que a transferência de genes não é um fenômeno inédito: há milhões de anos essas trocas são produzidas no interior das espécies ou entre espécies vizinhas, e às vezes até mesmo entre reinos diferentes, bactérias e plantas, por exemplo. Os genomas, ao contrário do que se pensava ainda recentemente, dão com freqüência provas de plasticidade, os genes ‘saltam’, se inserem, se mutilam, são transportados por vírus...
[...]

Fonte: Jordan, B. 2003. O espetáculo da evolução. RJ, Jorge Zahar.

09 janeiro 2015

Ode à ousadia

Fernando Mitre

– Vamos terminar logo essa matéria?

– Estou tentando, mas acho que esse texto podia ficar melhor.

– E por que não fica?

– Porque é matéria de jornal.

– Quê?

– É isso. Se, em vez de fazer lead, eu abrisse com um diálogo.

– E por que não abre?

– Uai, pode?

– Não tem nenhuma lei proibindo.

Era a primeira vez que ouvia aquilo. E ouvia do meu chefe, um tremendo texto, Wander Piroli. Então eu não precisava abrir a matéria com a famosa camisa-de-força? Podia esquecer a lei do lead e deixar o texto correr livremente?

Pois é. Veja só como uma conversinha rápida e corriqueira como aquela na redação do Binômio em 1964 – que tentei reconstituir aqui, puxando as palavras do fundo da memória, tantos anos depois – podia abrir a mente de um pouco-mais-do-que-foca, como eu era naquele tempo.

E, a partir daquela conversa e daquela matéria (se não me engano, era sobre a Companhia Telefônica), eu comecei a quebrar regras. Mais tarde, isso foi essencial na minha vida profissional porque fui cair, já em 1966, numa redação onde o que valia mesmo era exatamente quebrar regras: o Jornal da Tarde, um radical laboratório de experiências editorias e gráficas.

Na área gráfica – que adotei, em certa fase, como minha atividade preferencial – o Binômio já havia semeado pesadas ousadias, principalmente no corte e edição de fotos. Ainda me lembro, claramente, da cena: Oséas de Carvalho discutindo e diagramando a primeira página, selecionando e cortando fotos, medindo e rejeitando títulos e, principalmente, ousando. Este processo de criação oferecia, às vezes, resultados surpreendentes, como uma capa inteiramente sem títulos e jogando apenas com fotos e legendas. As fotos, naturalmente, cortadas de maneira radical.

(Lembro-me agora de que, muitos anos depois de deixar o Binômio, criei uma seqüência de capas no Jornal da Tarde, que foi festejada em todo o país e acabou conquistando prêmios importantes: a primeira delas era uma capa dupla tomando a primeira e a última página do caderno, ocupadas inteiramente por uma única foto; e a segunda, no dia seguinte, era apenas uma mancha negra ocupando todo o espaço da capa. A grande foto mostrava o famoso comício pelas diretas em São Paulo e a mancha negra era a marca do protesto pela derrota da emenda no Congresso. Quero dizer que não tenho dúvidas de que eu já havia encontrado a raiz dessas ousadias no modo de editar do Binômio.)

Mas todos esses lances são, na verdade, sintomas do que se considerava a principal característica do Binômio: a coragem no conteúdo. Foi por aí que se traçou sua trajetória verdadeiramente histórica. Uma espécie de luta quixotesca pela transformação do Brasil. Você teria enormes dificuldades em encontrar, pesquisando os jornais daquele tempo, textos melhores e mais adequados sobre, por exemplo, a necessidade de reforma agrária no Brasil.

Comprova-se, com tudo isso, a marca fortemente precursora do Binômio. De certo modo, era um desbravador.

Nas minhas retinas – ainda não fatigadas... – guardo uma cena em que José Maria Rabêlo, nosso diretor e autor de textos brilhantes, enfrentava no braço um grupo de anticomunistas empenhados em impedir, como de fato acabaram impedindo, um comício de Leonel Brizola em Belo Horizonte. Como se vê, a luta do Binômio nem sempre se limitava às palavras.

E é claro: se forma é tudo o que molda o conteúdo, como dizem teóricos da linguagem, seria impossível imaginar o nosso revolucionário Binômio sem as experimentações, a ousadia e coragem também nas suas estruturas formais.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

07 janeiro 2015

A caverna

Martinus Nijhoff

Não sei que direção tomar.
O caminho por onde viemos se fechou
E não há diante de nós nenhuma luz
Apontando a saída desta caverna.

Mantemos o contato chamando-nos pelos nomes.
A água, de cima, gotejando sobre as cabeças,
Apagou nossas últimas tochas.
As mãos tateiam as paredes úmidas.

As horas passam, uma a uma,
E nossos pensamentos estão cheios de céu azul,
Um vislumbre do alegre canto dos pássaros
E da nunca – suficiente – vista luz do sol.

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM. Poema publicado em livro em 1943.

05 janeiro 2015

Diante do mar


Também estou diante do mar
a partir de mim.
para descobrir não sei o quê.
Como se não estivesse
também estou diante do mar
a colher ostras e estrelas.

Guardo bem o sentido da vida
como se a mim fosse permitido
aguardar os sentimentos das tardes.

Também estou diante do mar
como se a saltar de um abismo
e a calar as aves e as nuvens
dessas que vivem por cima das águas
e no fundo do olhar.

Também estou diante do mar
como se a partir sempre para lugar nenhum
as redor da palavra
esse ato de morrer.

Não sou neste silêncio do rio
o braço do oceano
em que navego pressentimentos.

faz viver ainda mais este poema
como se à poesia
fosse possível salvar o mundo.

Também estou diante do mar
a ver o avental cheio de uvas
também estou
como se não estivesse
a partir de mim e comigo
em busca de não sei do quê.

Fonte: Alves, A. A. 2008. Melhores poemas: Álvaro Alves de Faria. SP, Global. Poema publicado em livro em 2002.

03 janeiro 2015

Dança macabra


Max Slegovt (1868-1932). Totentanz. 1896.

Fonte da foto: Wikipedia.

01 janeiro 2015

Aspectos da explicação em teorias biológicas

Morton Beckner

Em artigo fartamente discutido, publicado em 1948, Carl Hempel e Paul Oppenheim descreveram um padrão explicativo que passou a ser conhecido por ‘modelo dedutivo’. Em linhas gerais, as teses propostas são as seguintes: se a sentença que enuncia o acontecimento ou fenômeno a ser explicado for denominada explanandum e se a sentença que enuncia as informações reunidas com o fito de dar conta da ocorrência for denominada explanans, então, se a explicação for legítima, as seguintes condições devem estar satisfeitas: o explanans é verdadeiro e contém pelo menos uma lei geral; e o explanandum decorre (é dedutível) do explanans.

O modelo dedutivo agrada de imediato aos estudiosos da lógica da Ciência. Em certo sentido, é formulação de muitas idéias filosóficas que são, pelo menos, tão velhas como Aristóteles. [...]

As discussões em torno da questão da explicação e da lógica das explicações tomam, de hábito, o modelo dedutivo como ponto de partida. [...] Muitos pensadores têm salientado que o modelo está cheio de dificuldades intrínsecas e que há inúmeros padrões explicativos que o modelo não elucida nem engloba. Em particular, frisou-se que o modelo é apropriado para as ciências físicas, sendo de pouca valia para as ciências biológicas, psicológicas e sociais.

Pretendo discorrer a respeito desse tema e a minha tese é a de que uma forma revista do modelo dedutivo é aplicável a todas as explicações, sem exceção.
[...]

Fonte: Morgenbesser, S. org. 1979. Filosofia da ciência. SP, Cultrix.

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