29 setembro 2015

Tiradentes

José Paulo Moreira da Fonseca

Quando uma ideia é sangue
somos um só. Nela eu vivo e ela em mim,
jamais poderão separar-nos,
mesmo abandonando à rosa dos ventos
meu corpo dividido.

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado em livro em 1957.

27 setembro 2015

A importância biológica do fruto

Alan R. Gemmell

Assim como os óvulos, quando fertilizados, se desenvolvem dando sementes, os carpelos que contêm os óvulos e outras partes adjacentes do eixo floral são estimulados a se diferenciar e crescer, produzindo uma estrutura, o fruto. Na linguagem comum, uma ‘fruta’ é alguma coisa gostosa e suculenta, mas, do ponto de vista estritamente botânico, existem muitos tipos diferentes de frutos, desde uma noz até vagens de ervilha e de feijão, um aquênio de uma composta (como dente-de-leão), até a laranja e a maçã tão conhecidas. Os frutos são muitas vezes classificados conforme sejam secos ou suculentos, tenham uma ou mais sementes, sejam produzidos apenas a partir do carpelo ou do carpelo mais outras partes da planta e conforme eles arrebentem, explodam, apodreçam etc., para liberarem as sementes que contêm. Entretanto, pode-se dizer, essencialmente, que todos os frutos que contêm sementes têm importância biológica, por três motivos: (1) eles protegem as sementes; (2) eles podem servir para alimentar a semente; (3) eles ajudam a dispersão das sementes.
[...]

Fonte: Gemmell, A. R. 1981 [1969]. Anatomia do vegetal em desenvolvimento. SP, EPU & Edusp.

25 setembro 2015

História de cão

Mário Cesariny

eu tinha um velho tormento
eu tinha um sorriso triste
eu tinha um pressentimento

tu tinhas os olhos puros
os teus olhos rasos de água
como dois mundos futuros

entre parada e parada
havia um cão de permeio
no meio ficava a estrada

depois tudo se abarcou
fomos iguais um momento
esse momento parou

ainda existe a extensa praia
e a grande casa amarela
aonde a rua desmaia

então ainda a noite e o ar
da mesma maneira aquela
com que te viam passar

e os carreiros sem fundo
azul e branca janela
onde pusemos o mundo

o cão atesta esta história
sentado no meio da estrada
mas de nós não há memória

dos lados não ficou nada

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1956.

23 setembro 2015

Minhas filhas


Diogène Maillart (1840-1926). Mes filles, Eva et Jeanne. 1876.

Fonte da foto: Wikipedia.

21 setembro 2015

Um triste badalar, como num campanário

Amadeu Amaral

Um triste badalar, como num campanário
silente badalando os sinos por finados,
há no olhar, em que dorme um torpor funerário,
dessa que reza, olhos no céu, joelhos dobrados.

Olhos, que eu adorei cheios de álacre e vário
luzir, – hoje da cor do lírio roxo orlados,
tristes como os de Cristo a subir o Calvário
entre a chufa do povo e a lança dos soldados...

Olhar que tanta vez em voluptuosa rede
me prendeu, me arrastou, acariciante e fero,
coriscando paixões, arquejando de sede,

e que me lembra agora um silencioso lago,
por cujas águas paira um manso reverbero
de roxo pôr-de-sol martirizado e vago...

Fonte: Martins, W. 1978. História da inteligência brasileira, vol. 5. SP, Cultrix & Edusp. Poema – referido às vezes como ‘Soneto roxo’ – publicado em livro em 1899.

19 setembro 2015

Non me posso pagar tanto

Afonso X

Non me posso pagar tanto
            do canto
das aves, nen de seu son,
nen damor nen d’am[b]içon,
nen d’armas – ca ei espanto,
            por quanto
mui [mui] perigosas son –
come d’un bon galeon,
que m-alongu’e muit’aginha
d’este demo da Campinha
u os alacrães son.
Ca dentro no coraçon
senti d’eles a espinha!

E juro, par Deus lo santo,
            que manto
non tragerei nen granhon,
nen terrei d’amor razon,
nen d’armas – porque quebranto
            e chanto
ven d’elas ced’a sazon –
mais tragerei un dormon,
e irei pela marinha,
vendend’azeit’e farinha;
e fugirei do ponçon
do alacran, ca eu non
mi sei outra meezinha.

Nen de lançar a tav(o)lado
            pagado
non sõo, se Deus m’ampar,
oimais, nen de bafordar.
O andar de nout(e) armado,
            sen grado
o faço et o roldar!
Ca mais me pago do mar
que de seer cavaleiro,
ca eu foi ja marinheiro
e quero-m’oimais guardar
do alacran encontrar
que me foi [picar] primeiro.

E direi-vus un recado:
            pecado
ja mais me pod’enganar
que me faça ja falar
en armas, ca non m’é dado.
            Doado
m’é de ar én razõar,
pois las non ei de provar.
Ante quer’andar sinlheiro
e ir come mercadeiro
algũa terra buscar
u me non possan culpar
alacran negro nen veiro.

Fonte: Vasconcelos, CM. 2004 [1904]. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis. Poema datado de meados do século 13.

18 setembro 2015

O mito do altruísmo

Robert A. Wallace

Jamais alguém fez qualquer coisa por qualquer outra pessoa. [...]

Anos atrás, quando eu estava brincando com a idéia de altruísmo (sem ter um nome para ela), abordei o assunto em uma classe de escola dominical. O assunto estava sendo discutido de maneira bastante vaga, com os habituais lugares comuns e gestos de concordância que precedem o jantar de domingo. Mas alguma coisa parecia não estar muito certa, por isso tentei definir os limites do fenômeno, levando-o a seus extremos. Imaginei um caso em que alguém poderia decidir quem iria para o Céu: ele próprio ou uma pessoa amada. (Como se pode ver, eu estava um pouco influenciado pela minha formação como fundamentalista sulino.) A pessoa não escolhida arderia eternamente no Inferno. Agora, para que ninguém pudesse colher recompensas ocultas, como os benefícios de aprovação ou os sentimentos de martírio, havia armadilhas. Uma vez tomada a decisão, a pessoa escolhida aparecia repentinamente no Céu, sem a menor lembrança de qualquer decisão, e a outra iria para o Inferno, absolutamente sem a menor idéia de como fora parar lá. De fato, uma vez tomada a decisão, a memória de todas as partes seria totalmente obliterada. Ninguém seria capaz de lembrar a existência de qualquer outra pessoa. Ademais, Deus de nada se lembraria a respeito. O prêmio e o castigo seriam definitivos. Não haveria remorso, nem consolos.

Perguntei, retoricamente, quantas pessoas seriam altruístas em tais condições e tenho de admitir que me causaram alguma surpresa a força e veemência das respostas lançadas em rancoroso coro. Uma pequena informação que pude tirar de tudo aquilo foi que, se decidisse ir para o Inferno dentro de uma proposição fantástica como aquela, um indivíduo desejaria o consolo de saber que a pessoa amada estava no Céu, lembrando que era querida por ele. A questão toda era mórbida demais para merecer algo além de passageira consideração por parte de qualquer um, mas eu achei que aprendi alguma coisa fazendo a pergunta. Primeiro, pessoas se tornam reflexamente irracionais na defesa de suas vacas sagradas; mas, ainda mais importante, fiquei sabendo (pelas poucas respostas racionais apresentadas) que altruísmo tem limites e graus. Comecei também a suspeitar que, quando alguma coisa dói, a pessoa deseja que doa em seu melhor interesse.
[...]

Fonte: Wallace, R. A. 1985 [1979]. Sociobiologia – O fator genético. SP, Ibrasa.

17 setembro 2015

Diário floral

Nina Mello

Outono de 2015 O outono chega. Meu aniversário passa. As coisas tomam seus lugares. Escrevo, agora, as últimas linhas, na expectativa das páginas prontas e vivas. É tempo de espera. E sou levada para dentro do quarto escuro da fotografia, onde o tempo se revela, se insinua em instantes, em marcas, traços, constrói ficções, reconstrói narrativas e possibilita verdades em torno de possíveis realidades. No quarto escuro, existe o mistério; a imagem apreendida será revelada ou velada. Claro, escuro, consciente, inconsciente, erros, acertos, velações, revelações. Parece a vida, a fotografia e a morte. O trabalho nasce e se encerra. Sou o que vejo.

Fonte: Mello, N. 2015. Senescência. Juiz de Fora, Funalfa.

15 setembro 2015

As estações da vida


Ker-Xavier Roussel (1867-1944). Les saisons de la vie. ~ 1895.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 setembro 2015

Musa impassível

Francisca Júlia

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho, e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d’ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d’alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos.

Fonte: Bosi, A. 2013. História concisa da literatura brasileira, 49ª edição. SP, Cultrix. Poema publicado em livro em 1895. O livro abriga dois sonetos igualmente intitulados ‘Musa impassível’; o soneto acima é o primeiro.

12 setembro 2015

Oito anos e onze meses no ar

F. Ponce de León

Neste sábado, 12/9, o Poesia contra a guerra completa oito anos e onze meses no ar. Ao longo desse período, e até o fim do expediente de ontem, o contador instalado no blogue registrou 275.864 visitas. (Trata-se, no entanto, de uma subestimativa; ver comentário no balanço de julho.)

Desde o balanço anterior – Oito anos e dez meses no ar – foram aqui publicados pela primeira vez textos dos seguintes autores: Almeida Garrett, Augusto Gil, Brian W. P. Wells, Charlotte W. Pratt, Correia de Almeida, Donald Voet, Herbert Marcuse, Judith G. Voet, Luís Delfino, Mihai Eminescu, Ronald de Carvalho e Sancho I. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: François Boucher, Maurice Denis e Philippe de Champaigne.

10 setembro 2015

A dança dos partidos

Correia de Almeida

Os dois estragadíssimos partidos
ocupam a seu turno a governança,
e nós imos vivendo de esperança
de ver os nossos males combatidos.

Os quinhões são de novo repartidos,
toda vez que se dá qualquer mudança;
se aquele outrora encheu, este enche a pança
e os clamores do povo são latidos.

Se as velhas leis têm sido violadas,
estando nossas crenças abaladas,
novas leis não darão melhores normas.

Palavras eu não sei se adubam sopa,
mas a fala do trono é que não poupa
reformas e reformas e reformas.

Fonte: Araújo, M. M. 2007. Com quantos tolos se faz uma república? BH, Editora UFMG. Poema publicado em livro em 1887.

08 setembro 2015

Balada da neve

Augusto Gil

Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville.
Verlaine

Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...

Quem bate assim levemente
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu
Branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e quando passa
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
– Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Por que lhes dais tanta dor?!...
Por que padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
– E cai no meu coração.

Fonte (versos 14 e 15): Cunha, C. 1976. Gramática do português contemporâneo, 6ª edição. BH, Editora Bernardo Álvares. Poema – com a dedicatória ‘A Vicente Arnoso’ – publicado em livro em 1909.

07 setembro 2015

A herança da inteligência

Brian W. P. Wells

Se há uma questão na genética comportamental que realmente faz [elevar] a temperatura quando quer que seja mencionada, esse tema é a herança da inteligência. Acima de todos os demais, esse é o assunto que leva as pessoas a se sentirem mais ameaçadas, ou mais preocupadas com a possibilidade de que o ideal igualitário esteja prestes a sofrer um ataque. Por conseguinte, a proposição de que a inteligência é em sua maior parte geneticamente controlada é precisamente a que mais tende a induzir as pessoas a descartarem toda a genética comportamental. As bases para essa rejeição são inúmeras, porém algumas realmente se sobressaem como as mais destacadas e típicas.

Em primeiro lugar, objeta-se que não é verdadeiro que a inteligência tenha qualquer tipo de base genética: ela é, segundo se argumenta, simplesmente uma questão do meio e da oportunidade de aprender. A segunda objeção é a de que não é possível medir a inteligência de nenhuma forma realista; que os testes de inteligência medem apenas a habilidade de efetuar esse tipo de testes, e que os resultados são influenciados, como se pode comprovar, pelas oportunidades ambientais e pela prática naquelas tarefas. Além disso, há os opositores éticos e sociais, que argumentam que, de qualquer maneira, é errado desenvolver pesquisas que visam estabelecer diferenças básicas, e talvez promotoras de cisão, entre indivíduos, grupos e raças. Esse último ponto de vista, diz respeito, principalmente, às maneiras pelas quais os resultados de pesquisa podem ser utilizados por membros irresponsáveis de alguma camada da sociedade, para justificar a exploração ou outro tipo de maus tratos infligidos a outros setores da comunidade.

Finalmente, como se argumenta com freqüência, os estudos sobre o componente genético da inteligência não deveriam ser efetuados de todo, já que têm pouca ou nenhuma utilidade. Em outras palavras, o dinheiro publico simplesmente não deveria ser usado nessa área de pesquisa, pois, caso ficasse provado que a inteligência é em grande parte geneticamente determinada, nenhum efeito prático útil resultaria daí. Por outro lado, se ficasse demonstrado que o componente genético não tem importância, os fundos teriam sido malbaratados num corpo igualmente inútil de conhecimentos.

Fonte: Wells, B. W. P. 1982. Personalidade e hereditariedade. RJ, Zahar.

06 setembro 2015

Homenagem


Maurice Denis (1870-1943). Hommage à Cézanne. 1900.

Fonte da foto: Wikipedia. Uma pintura de Cézanne pode ser vista aqui.

04 setembro 2015

Anjo és

Almeida Garrett

Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. – Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes – e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? – Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?

Fonte: Amaral, E.; Patrocínio, M. F.; Leite, R. S. & Barbosa, S. A. M. 2013. Novas palavras: 2º ano, 2ª edição. SP, FTD. Poema publicado em livro em 1853.

02 setembro 2015

Duas almas

Alceu Wamosy

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...

Fonte: Nejar, C. 2011. História da literatura brasileira. SP, Leya. Poema – com a dedicatória ‘A Coelho da Costa’ – publicado em livro em 1923.

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