24 junho 2016

Tarântula

Luís Murat

Dizem que é um veneno estranho aquele
Que o aguilhão da tarântula inocula:
Entra nas veias, rápido circula,
Conspurca o sangue, deteriora a pele.

Dizem também que o espírito alucina
E faz a gente ter visões e assombros,
E uma vontade de trazer nos ombros
A algazarra do bosque e da colina.

Dança-se em tomo de árvores folhudas,
Colhem-se rosas, como Ofélia, e, rindo,
Rindo, voluptuosamente, ao Pindo
Sobe-se atrás das musas rechonchudas.

Sonha-se cor de rosa e branco... A lua
É como um nenúfar que desabrocha,
Entre cirros, no cimo de uma rocha
Enamorada, castamente nua.

O coração flameja de tal modo,
Como se fora o sol que flamejasse,
E as madeixas de fogo desmanchasse,
Serpenteando pelo corpo todo...

Tinha vontade de sentir, um dia,
Essa demência lúbrica e esquisita,
Para beijar muita mulher bonita,
Que a volúpia dos lábios desafia.

E de seguir, depois, pela existência,
Rouxinoleando, sem ter ninho certo,
Tomando a cova por um céu aberto,
Ou a velhice pela adolescência.

E ver em cada rosa a mesma rosa,
Tagarelando o idioma do perfume,
E sentir da mulher a misteriosa
Chama, que arde no amor e no ciúme!...

E entrefechar o olhar, lascivo e absorto
Na delicia de um gozo que nos prende,
E cair n’um regaço, quase morto,
Que é como um céu que um anjo nos estende...

Ai! do prazer o insólito desejo.
Que nos levanta, que nos aniquila!
Que há que se possa comparar a um beijo
D’essa divina e deliciosa argila?!...

Como é bom revolver a nuvem negra
Que encobre o templo da felicidade,
E ouvir o coração – a toutinegra
Do amor – cantar como na mocidade!

Feliz quem pode substituir os prantos
Por uma nova musica de risos,
E acumular encantos sobre encantos
E paraísos sobre paraísos.

Tu, só tu, poderias, ser corrupto,
Dar outro aspecto a esta paisagem triste:
O teu veneno é o cobiçado fruto,
Se é que o prazer só na loucura existe.

Fonte (estrofes 1, 2, 6, 10, 12, 13): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 1. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1895 [1917].

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