07 outubro 2016

Poética da destruição

José Augusto Pádua

Em 1845, o poeta e pintor Manuel de Araújo Porto-Alegre publicou um longo poema, depois inserido na série Brasilianas, intitulado ‘A destruição das florestas’. A obra compunha-se de três cantos – a ‘Derribada’, a ‘Queimada’ e a ‘Meditação’. Porto-Alegre estava longe de ser um opositor da ordem social e econômica do império. Amigo pessoal de Pedro II, professor da Academia de Belas Artes, secretário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, diretor de uma das seções do Museu Nacional, poucos personagens no Brasil da época circulavam com tanta desenvoltura pelos círculos oficiais. No que se refere ao desaparecimento das florestas, no entanto, sua oposição era dura e quase desesperada.

A crítica de Porto-Alegre manifestava, em primeiro lugar, um sofrimento individual e subjetivo, uma espécie de dor estética pela destruição de algo imensamente belo e generoso (e pela perspectiva de viver em uma paisagem onde essa realidade não mais existisse): “Choro dos bosques a beleza imensa/Choro das fontes o benigno amparo/Dos rios a riqueza e o ar saudável/Que as florestas expandem do seu seio”; “Não é vida ante os olhos ter constante/De um hórrido esqueleto a árida imagem/E um quadro carcomido e lacerado/Pelo trado do verme do egoísmo”.

Note-se, de passagem, que aqui aparece novamente a teoria do dessecamento – a ligação das florestas com a umidade, as fontes e os rios. As florestas não representavam um elemento isolado no território brasileiro, mas sim a base do seu equilíbrio e vitalidade. Chorando a sorte das florestas, o autor estava também lamentando a degradação do país como um todo. Além do sentimento subjetivo, esse lamento envolvida uma preocupação política. O que vamos encontrar por detrás dos versos de Porto-Alegre, na verdade, será a reafirmação de algumas das teses que já vinham marcando a crítica ambiental brasileira. A influência decisiva derivada do próprio José Bonifácio, que o poeta conheceu pessoalmente no final da década de 1820 e por quem tinha, segundo testemunhas, “uma espécie de adoração”. Uma dessas teses era a de que a destruição das florestas colocava graves riscos para a sobrevivência do Brasil enquanto tal: “Um vulcão se ateou que tudo assola/Mudas leis, que o porvir de trevas cobrem/Cavam abismos, sorvedouros abrem/Ante o futuro deste Império imenso”.
[...]

Fonte: Pádua, J. A. 2002. Um sopro de destruição. RJ, Jorge Zahar.

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