30 agosto 2017

Colinearidade e código genético

Louis Levine

A descoberta de que proteínas e ácidos nucleicos são arranjos lineares de seus respectivos blocos estruturais (i.e., aminoácidos e nucleotídios) levou à hipótese de que a sequência linear dos aminoácidos na proteína é especificada pela sequência linear dos nucleotídios em um gene. A colinearidade da estrutura da proteína e da estrutura do gene foi explicada mostrando que as mudanças na estrutura primária de uma proteína (e.g., proteína A da [triptofano-sintase] de E. coli) sempre corresponderam às mudanças no gene (e.g., gene A de E. coli), controlando a produção da enzima. A evidência experimental da colineardade da proteína e de seu gene foi revista e ampliada por G. Yanofsky e colaboradores em 1964.

Com o estabelecimento do conceito de colinearidade das estruturas da proteína e do gene foi necessário levantar a hipótese de um código genético tal que a sequência dos aminoácidos nas proteínas fosse encontrada na sequência dos nucleotídios do dna e expressa na sequência nucleotídica do mrna. O problema básico de tal código genético é indicar de que modo a informação escrita em uma linguagem de quatro letras (quatro nucleotídios do dna) pode ser traduzida em uma linguagem de vinte letras (vinte aminoácidos das proteínas). O grupo de nucleotídios que especifica um aminoácido é uma palavra código ou códon. O código mais simples possível é um código simples – no qual um nucleotídio codifica para um aminoácido. Um tal código é inadequado, pois apenas quatro aminoácidos podem ser especificados. Um par de códigos (duo), também inadequado, poderia especificar dezesseis (4 x 4) aminoácidos enquanto um código tríplice (trio) poderia especificar para sessenta e quatro (4 x 4 x 4) aminoácidos. Como o trio é o mais simples que pode especificar para os vinte aminoácidos encontrados nas proteínas recebeu maior atenção. Desde que haja mais códons (64) que aminoácidos (20), os investigadores levantaram a hipótese de que o código genético poderia degenerar, isto é, alguns aminoácidos poderiam ter mais de um códon de dna (consequentemente rna). Isto significa que o rna mensageiro pode conseguir, pela incorporação de um aminoácido particular, mais que um trio. Por outro lado, pode-se esperar encontrar mais que um rna transferidor para um aminoácido que é codificado de maneira degenerada. Todas as expectativas anteriores foram, de fato, comprovadas.
[...]

Fonte: Levine, L. 1977 [1973]. Biologia do gene. SP, Blücher & Edusp.

28 agosto 2017

A pedra e o relógio

William Paley

Cruzando uma charneca, suponhamos que eu tropeçasse numa pedra e me perguntassem como fora a pedra parar ali; eu poderia, possivelmente, responder que, tanto quanto eu saiba, ela ali tinha estado sempre; não seria muito fácil demonstrar o absurdo dessa resposta. Suponhamos que eu encontrasse no chão um relógio e me perguntassem como acontecera de estar ali o relógio; dificilmente eu poderia pensar na resposta dada antes, isto é, que o relógio poderia ter estado sempre ali. Por que, no entanto, a resposta não haveria de servir tanto para o relógio quanto para a pedra? Por que não seria admissível no segundo caso como no primeiro? [...]

Fonte: Hardin, G., org. 1967. População, evolução & controle da natalidade. SP, Companhia Editora Nacional & Edusp. O trecho integra o livro Natural theology or evidences of the existence and attributes of the deity (1802).

25 agosto 2017

Falsos problemas científicos

Felipe A. P. L. Costa

O papel de Ernst Mayr (1904-2005) na história da biologia não foi exatamente o de um inovador, como ele próprio parecia estar ciente. Escritor prolífico e longevo, ele talvez fosse mais bem descrito como um articulador, tanto em termos acadêmicos (e.g., reunindo e divulgando informações dispersas na literatura) como políticos (e.g., assumindo cargos de chefia e participando de comitês de avaliação).

No contexto da teoria sintética, Mayr sempre deu muita ênfase ao conceito de espécie e ao processo de especiação. Eis algumas noções que ele elaborou ou ajudou a burilar: (i) o reconhecimento da espécie como uma entidade real, em oposição a entidades arbitrárias, como gênero e família; (ii) o isolamento reprodutivo como uma barreira que segrega espécies que vivem juntas (simpatria), noção que serviu de base para a elaboração do conceito biológico de espécie; (iii) o isolamento geográfico como o principal estímulo à especiação; e (iv) o efeito do fundador e as revoluções genéticas como fatores que promovem a especiação, tipicamente em populações pequenas e isoladas.

Em maior ou menor extensão, no entanto, todos esses conceitos têm sido contestados ou relativizados, embora os livros-textos nem sempre deixem isso claro. Nesse sentido, cabem aqui as seguintes ponderações: (i) vários autores questionam a realidade da espécie, mesmo entre organismos que se só reproduzem de modo sexuado; (ii) o isolamento reprodutivo não é necessário nem suficiente para definir uma espécie; (iii) a especiação não depende de alopatria; e (iv) em muitos casos (a maioria?), a especiação seria o resultado de seleção, não de processos fortuitos.

O problema da espécie

Entre as barbeiragens cometidas por Mayr, Mallet (2008) observa que ele (talvez inconscientemente) ‘editou’ certos trechos da obra de Darwin incluídos em alguns dos seus escritos, de modo a ressaltar ‘deficiências’ no que tange ao conceito de espécie e ao processo de especiação. Ocorre que o ‘problema da espécie’, a respeito do qual Mayr escreveu bastante, tem se revelado um falso problema.

Para Darwin, explicar a multiplicação das espécies – “o mistério dos mistérios” – era um desafio. Mayr defendia insistentemente a ideia de que Darwin não chegou a propor nenhum modelo que pudesse explicar a origem das espécies, a ponto de outros autores passarem a reproduzir essa afirmativa (e.g., Futuyma 1992). Na verdade, um exame atento prontamente revela que Darwin adotou uma solução, embora, ao que parece, ela não tenha sido do agrado de Mayr. Em primeiro lugar, cabe notar que o naturalista britânico tratava o conceito de espécie com ceticismo. Por uma questão de conveniência prática, Darwin aceitava o que os especialistas reconheciam como espécies (e.g., Canis familiaris, Homo sapiens, Solanum tuberosum etc.) e, por isso mesmo, ele reteve a palavra em seus escritos. O fundamento biológico de sua posição não é difícil de entender: a distinção que há entre espécies afins é a expressão ‘madura’ da variação aparentemente contínua que observamos entre variedades de uma mesma espécie.

A genética do saco de feijões

Outro exemplo de barbeiragem envolve uma controvérsia – uma das várias discussões acaloradas em que Mayr se envolveu em decorrência de alguma opinião enviesada de sua parte. Incomodado com a profusão de modelos matemáticos – a respeito dos quais, aliás, tinha pouco conhecimento – e desgostoso com a crescente importância atribuída à genética de populações, Mayr virou-se contra o trabalho de alguns pioneiros, especificamente Fisher, Haldane e Wright.

Em suas palavras (Mayr 1959, p. 2; tradução livre):

A mudança evolutiva foi apresentada [pela genética de populações] essencialmente como uma entrada ou saída de genes, como a adição de alguns feijões em um saco de feijões e a retirada de outros. [...]
A mim me parece que a principal importância da teoria matemática foi que ela deu rigor matemático a afirmações qualitativas feitas muito anteriormente. [...] Contudo, eu talvez devesse deixar que os próprios Fisher, Wright e Haldane mostrassem o que eles julgam que sejam as maiores contribuições deles.

Mayr passou a se referir ao trabalho daqueles teóricos como ‘genética do saco de feijões’ (beanbag genetics). Alguns anos depois, Haldane terminou escrevendo uma resposta. Wright ficou chocado com o episódio e o seu relacionamento com Mayr, até então amigável, azedou. (Em 1984, voltando de uma viagem à Itália, Wright confidenciou a [James] Crow que o valor do prêmio que acabara de receber diminuiu muito depois que ele soube que Mayr havia sido agraciado no ano anterior.)

Fonte: Costa, F. A. P. L. 2017. O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna. Viçosa, Edição do autor. O texto acima combina passagens de dois capítulos do livro.

23 agosto 2017

À janela

José Blanc de Portugal

Eles estão fazendo alguma coisa ainda
que sem, a meu ver, sentido algum...
Eu vou deixando riscos no papel para entreter
a mão que busca o traço perdido.
Esse era o fito que eu inventara agora
mesmo em que isto vou escrevendo.
Mas que verdade isso representa neste
novo instante em que o que escrevi vou lendo?
Que busca a mão?
Formas de letras ligadas em palavras,
ou um volume vivo e morno, humanizado,
que um dia sentiu?
As palavras são-me um enigma
tão insolucionado como a razão da beleza
do contorno das serras que me ligam a
água e o céu que avisto desta margem
da baía em que o contemplo.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1986.

21 agosto 2017

Sob as árvores


Thomas Moran (1837-1926). Under the trees. 1865.

Fonte da foto: Wikipedia.

19 agosto 2017

To Brooklyn bridge

Harold Hart Crane

How many dawns, chill from his rippling rest
The seagull’s wings shall dip and pivot him,
Shedding white rings of tumult, building high
Over the chained bay waters Liberty –

Then, with inviolate curve, forsake our eyes
As apparitional as sails that cross
Some page of figures to be filed away;
– Till elevators drop us from our day...

I think of cinemas, panoramic sleights
With multitudes bent toward some flashing scene
Never disclosed, but hastened to again,
Foretold to other eyes on the same screen;

And Thee, across the harbor, silver-paced
As though the sun took step of thee, yet left
Some motion ever unspent in thy stride, –
Implicitly thy freedom staying thee!

Out of some subway scuttle, cell or loft
A bedlamite speeds to thy parapets,
Tilting there momently, shrill shirt ballooning,
A jest falls from the speechless caravan.

Down Wall, from girder into street noon leaks,
A rip-tooth of the sky’s acetylene;
All afternoon the cloud-flown derricks turn...
Thy cables breathe the North Atlantic still.

And obscure as that heaven of the Jews,
Thy guerdon... Accolade thou dost bestow
Of anonymity time cannot raise:
Vibrant reprieve and pardon thou dost show.

O harp and altar, of the fury fused,
(How could mere toil align thy choiring strings!)
Terrific threshold of the prophet’s pledge,
Prayer of pariah, and the lover’s cry, –

Again the traffic lights that skim thy swift
Unfractioned idiom, immaculate sigh of stars,
Beading thy path – condense eternity:
And we have seen night lifted in thine arms.

Under thy shadow by the piers I waited;
Only in darkness is thy shadow clear.
The City’s fiery parcels all undone,
Already snow submerges an iron year...

O Sleepless as the river under thee,
Vaulting the sea, the prairies’ dreaming sod,
Unto us lowliest sometime sweep, descend
And of the curveship lend a myth to God.

Fonte (verso 31): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 4. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1930.

17 agosto 2017

Eu sou aquele que não forja o barco

Sânzio de Azevedo

Eu sou aquele que não forja o barco
sem de água pressentir o indício, ao menos.
Longe outros levem de seu reino o marco;
fico nos meus domínios mui pequenos...

Mostrou-me o tempo os dedos multicores
e me tomou as mãos. Desde esse dia,
eu sou aquele que procura as flores
onde somente as encontrar podia.

Sem me forçar, eu sou. Daí, meu canto,
nem tanta vez agreste nem sonoro,
brilhar espadas fulvas quando canto.

e arrebanhar penumbras quando choro.
Eu sou aquele a quem lhe basta o sesmo
do exíguo território de si mesmo.

Fonte: Horta, A. B. 2016. Do que é feito o poeta. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1999.

15 agosto 2017

Coleirinho

Luiz Gama

Assim o escravo agrilhoado canta.
Tíbulo

Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu filhinho,
Que, sem pai, no agreste ninho,
Lá ficou sem ti, sem vida.

Quando a roixa aurora vinha
Manso e manso, além dos montes,
De oiro orlando os horizontes,
Matizando as crespas vagas,
– Junto ao filho, à meiga esposa
Docemente descantavas,
E na luz do sol banhavas
Finas penas – n’outras plagas.

Hoje triste já não trinas,
Como outr’ora nos palmares;
Hoje, escravo, nos solares
Não te embala a dulia brisa;
Nem se casa aos teus gorjeios
O gemer das gotas alvas
– Pelas negras rochas calvas –
Da cascata que desliza.

Não te beija o filho tenro,
Não te inspira a fonte amena,
Nem da lua a luz serena
Vem teus ferros pratear.
Só de sombras carregado,
Da gaiola no poleiro
Vem o tredo cativeiro,
Mágoa e prantos acordar.

Canta, canta Coleirinho,
Canta, canta, o mal quebranta;
Canta, afoga mágoa tanta
N’essa voz de dor partida;
Chora, escravo, na gaiola
Terna esposa, o teu filhinho,
Que sem pai, no agreste ninho,
Lá ficou sem ti, sem vida.

Fonte (primeira estrofe, versos 5-8): Ferreira, S. 2017. Luiz Gama e a identidade negra na literatura. Juiz de Fora, Edição do autor. [No prelo.] Poema publicado em livro em 1861.

13 agosto 2017

A denúncia do ódio racial

Malthus de Paula

A denúncia comprovada de racismo em Belo Horizonte contra negros e judeus provocou uma CPI na Assembleia Legislativa e intensa repercussão em Minas e em outros estados. Caio Mário da Silva Pereira, mais tarde presidente nacional da OAB e então secretário de Segurança, mandou instaurar inquérito policial para apurar os fatos. Também serviu para abrir a cortina de falsidade de uma época que apartava os pretos em voz baixa e falava alto em democracia racial.

Como qualquer repórter de 19 anos, recebi o desafio de destampar a latrina dos dejetos morais de Hitler, Ku Klux Klan e de nós mesmos, cujas emanações o vento levava aos anúncios de emprego, às pinturas de suásticas nos muros, às notícias de recusa de um engenheiro judeu no Automóvel Clube, no Campestre e no Country e à negativa de hospedagem de estudantes africanos pelo Brasil Palace Hotel.

Já alguns anos atrás, o repórter A. Ponce de León fizera essa dramática denúncia. Agora o jornal me encarregou, juntamente com o repórter fotográfico Edgar Maciel, de comprovar que a discriminação racial continuava sendo praticada em Belo Horizonte.

Um gravador na redação registrara a reserva de um lugar em nome de Osvaldo Catarino Evaristo no Hotel Amazonas, então um dos melhores da cidade. O poeta e ex-pracinha, de terno de linho branco, abotoaduras de luxo e chapéu gelot, se dirigiu para lá e percebeu logo a hostilidade do ambiente: teve que carregar suas malas, pois ninguém na recepção lhe deu atenção. Ao descobrir que o autor do pedido de reserva era um negro, o recepcionista que estava na portaria, o mesmo que atendera o telefonema poucos minutos antes, respondeu com desprezo:

– Lamentavelmente houve um engano. Não temos quarto para o senhor aqui...

Não adiantou argumentar, dizer que a reserva tinha sido feita, que constituía um direito seu ser aceito em qualquer hotel, etc. O poeta e ex-pracinha, que pôde defender o Brasil nos campos de batalha, não merecia uma vaga no estabelecimento. E nós sabíamos que seria mesmo assim, pois o hotel se tornara conhecido por seguidos casos de racismo.

Osvaldo Catarino juntou suas malas, de luto de si mesmo, repetindo a cena do poeta americano Langston Hughes, no dia em fora expulso de um jardim de infância e que anos mais tarde traduziria em seu verso de protesto: “Eu também sou América”.

Para os donos do hotel, o ex-pracinha não era Brasil.

As denúncias do Binômio podem não ter mudado a situação, mas estou certo – tantos anos depois – de que representaram uma contribuição generosa para o debate desse câncer ainda hoje presente entre nós: a discriminação racial.

Fonte: Rabêlo, J. M. 1997. Binômio: edição histórica. BH, Armazém de Idéias & Barlavento Grupo Editorial.

12 agosto 2017

Cento e trinta meses no ar

F. Ponce de León

Neste sábado, 12/8, o Poesia contra a guerra completou 10 anos e dez meses no ar. Como mencionei no balanço mensal anterior, o principal contador de visitas saiu do ar. Os números fornecidos pelo contador secundário, de livre visitação, não são igualmente confiáveis.

Desde o balanço anterior – Dez anos e nove meses no ar – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: Andrea Wulf, J. W. Anderson, João Soares Coelho, Nancy Leys Stepan, Simón Bolívar, Solano Trindade e William Coleman. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Asher Brown Durand, Frederic Edwin Church e Perugino.

10 agosto 2017

Almas gêmeas


Asher Brown Durand (1796-1886). Kindred spirits. 1849.

Fonte da foto: Wikipedia.

08 agosto 2017

La teología natural

William Coleman

La teología natural, nunca ausente en el pensamiento cristiano, prosperó enormemente entre 1650 y 1850, aproximadamente. Era, decía Francis Bacon, “esa chispa del conocimiento de Dios que puede tenerse por la luz de la naturaleza y por consideración de las cosas creadas”. Su objetivo era divino, su tema era natural. Del microscopista Jan Swammerdam (1637-1680) al reverendo William Paley (1743-1805), del gran naturalista John Ray (1627-1705) al geólogo apologista William Buckland (1784-1856), generaciones de naturalistas describieron ejemplos de la sabiduría y el poder divinos en la naturaleza. Al estudiar las plantas y los animales, uno aumentaba su conocimiento de la naturaleza y simultáneamente glorificaba al Creador de la naturaleza. Hacia 1800, la práctica había avanzado mucho. Se hacía hincapié en la perfección relativa del organismo y se ignoraban ampliamente sus imperfecciones. El ‘propósito’ del organismo tenía que establecer las condiciones por las cuales esa criatura podía existir, prosperar y reproducirse. Tal propósito, que hacía manifiesta la intención de Dios, abarcaba la exquisita armonía de las partes del cuerpo entre sí y con las funciones a las que servían, el ajuste del organismo a su ambiente y la providencial provisión de plantas y animales particulares para todo deseo o placer del hombre.
[...]

Fonte: Coleman, W. 1983 [1971], La biología en el siglo xix. Cidade do México, Fondo de Cultura Económica.

06 agosto 2017

Atal vej’eu aqui ama chamada

João Soares Coelho

Atal vej’eu aqui ama chamada
que, dê-lo dia em que eu naci,
nunca tam desguisada cousa vi,
se por ũa d’estas duas nom é:
por aver nom’assi, per bõa fé,
ou se lho dizem porque é amada

(ou por fremosa, ou por bem talhada).
Se por aquest’ama dev’a seer,
é o ela, podede-o creer,
ou se o é pola eu muit’amar;
ca bem lhe quer’e posso bem jurar:
poi-la eu vi, nunca vi tam amada!

E nunca vi cousa tam desguisada:
de chamar home ama tal molher,
tam pastorinha, se lho nom disser’
por tod’esto que eu sei que lh’avem:
porque a vej’a todos querer bem,
ou porque do mund’é a mais amada!

É o de [modo] como vus disser’
que, pero me Deus bem fazer quiser’,
sem ela nom me pode fazer nada.

Fonte: Vasconcelos, C. M. 2004 [1904]. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português de Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis. Cantiga de amor datada de meados do século 13.

04 agosto 2017

O que são meus versos

Laurindo Rabelo

Se é vate quem acesa a fantasia
Tem de divina luz na chama eterna;
Se é vate quem do mundo o movimento
C’o movimento das canções governa;

Se é vate quem tem n’alma sempre abertas
Doces, límpidas fontes de ternura,
Veladas por amor, onde se miram
As faces da querida formosura;

Se é vate quem dos povos, quando fala,
As paixões vivifica, excita o pasmo,
E da glória recebe sobre a arena
As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo;

Eu triste, cujo fraco pensamento
Do desgosto gelou fatal quebranto;
Que, de tanto gemer desfalecido,
Nem sequer movo os ecos com meu canto;

Eu triste, que só tenho abertas n’alma
Envenenadas fontes d’agonia,
Malditas por amor, a quem nem sombra
De amiga formosura o céu confia;

Eu triste, que, dos homens desprezado,
Só entregue a meu mal, quase em delírio,
Ator no palco estreito da desgraça,
Só espero a coroa do martírio;

Vate não sou, mortais; bem o conheço;
Meus versos, pela dor só inspirados, –
Nem são versos – menti – são ais sentidos,
Às vezes, sem querer, d’alma exalados;

São fel, que o coração verte em golfadas
Por contínuas angústias comprimido;
São pedaços das nuvens, que m’encobrem
Do horizonte da vida o sol querido;

São anéis da cadeia, qu’arrojou-me
Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda;
São gotas do veneno corrosivo,
Que em pranto pelos olhos me transuda.

Seca de fé, minha alma os lança ao mundo,
Do caminho que levam descuidada,
Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas
Solta a esmo no ar planta mirrada.

Fonte (estrofes 1, 3, 6 e 7): Martins, W. 1977. História da inteligência brasileira, vol. 2. SP, Cultrix & Edusp. Poema publicado em livro em 1853.

02 agosto 2017

Os sonhadores

Correia de Almeida

O Brasil se arruína e se deprava
de modo que, daqui a poucos anos
e após imenso cúmulo de danos,
o carro do progresso se lhe encrava!

“Esta não é aquela que eu sonhara”,
diz-nos qualquer dos bons republicanos,
que se riram dos papos de tucano,
quando o monarca assim se atucanava.

Quanto jovem simplíssimo e bisonho
não fruiu as delícias de tal sonho,
com o qual não vê hoje parecença?!

A desculpa que dão seja atendida,
pois, sem peso nem conta nem medida,
há muitos tolos de nascença.

Fonte: Araújo, M. M. 2007. Com quantos tolos se faz uma república? BH, Editora UFMG. Poema publicado em 1883.

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