25 novembro 2017

Florestas densas e savanas

Richard Wettstein

É sempre uma experiência interessante tomar um trem da São Paulo Railway, para viajar de Santos a São Paulo. Poucos trechos ferroviários existem, como esse, que, em espaço e tempo tão curtos, permite ao viajante conhecedor de fitogeografia e fitoecologia colher aspectos de vegetação em tal quantidade e variedade. Logo após deixar a cidade o trem atravessa o mangue que se prolonga muito ao pé da serra. No período da maré cheia, o mangue tem aparência de uma área alagada coberta de arbustos e pequenas árvores, mostrando outro aspecto característico no período da maré vazante, quando por todos os lados aparecem o lodo denso e negro e as arqueadas raízes de escora de muitas plantas lenhosas, que servem de apoio às copas. Lentamente se eleva o trecho ferroviário, tanto mais quanto se aproxima do pé da serra, na encosta oriental do planalto sul-brasileiro. Atravessam-se rapidamente algumas plantações, especialmente bananais bastante carregados; aparecem, cada vez com maior frequência, isoladamente, árvores e palmeiras cheias de epífitas, como sinais precursores da mata tropical, até que, em Piaçaguera, a poucos quilômetros de distância de Santos, alcança-se a orla da mata. Começa, então, o trecho de estrada de ferro em plano inclinado, audaciosamente construído, que em pouco tempo vence uma diferença de nível de cerca de 800 metros, levando-nos ao cume da serra, ao planalto demarcado pela Estação de Paranapiacaba. As encostas recém-deixadas dão, ao viajante que se aproxima por mar da parte sul do território brasileiro, a impressão de uma serra que se eleva repentinamente e são, a perder de vista, cobertas de florestas pluviais tropicais. Olhando ora a base, ora o alto, por cima das copas, o viajante recebe impressões magníficas: nas proximidades imediatas desenrolam-se quadros típicos da exuberância e originalidade tropicais. Muito ao longe o olhar alcança as encostas da serra de Paranapiacaba, cobertas de matas escuras até o Vale do rio Mogi, profundamente rasgado, o qual, com pequeno volume de água, alcança o mar, visível no horizonte. Quando se deixa a Estação de Paranapiacaba, a paisagem se modifica bruscamente. A mata está cada vez mais distante, e se aproxima a formação mais característica do segundo tipo de vegetação principal do sul do Brasil, a verdejante ‘savana’, o campo. A diferença entre a mata da região costeira e a região do interior rica em savanas mostra-se, neste trecho ferroviário, com muita nitidez, porque o homem, nas cercanias da populosa capital, com a finalidade inicial de obter pastagens, destruiu matas favorecendo o desenvolvimento de ‘savanas’. [...]

Fonte: Wettstein, R. R. v. 1970 [1904]. Aspectos da vegetação do sul do Brasil. SP, Edgar Blücher & Edusp.

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