30 dezembro 2017

Mariano Procópio

F. Ponce de León

     Do lado de lá da rua,
a luz amarelada e morna dos postes
envelhece a linha férrea e a estação;
     do lado de cá,
sobre as poças d’água e por entre
as grades enferrujadas do museu,
dançam sombras e penumbras frias.

28 dezembro 2017

Saudação

Pavol Országh Hviezdoslav

Saúdo-vos, bosques, montanhas
desta alma eu vos saúdo!
Que mundo miserável que nos pressiona,
seu mau olhado nos venceu.
A mentira nos confundiu em sua superioridade.
Vós ireis viver de novo.
Vós ressuscitareis e vos restabelecereis
das dolorosas feridas
no verdadeiro e reto sentimento de fraternidade.
Abrindo totalmente o coração
à cordialidade onde outrora
nunca prosperou a traição,
sem inquirir quem é ele,
ou o que busca.
No regaço, ei-lo no doce abraço
com os ombros, cheio de amor materno
lealmente se protegerá o homem.
Somente um momento lá permanecerá.
Já então a dor se desfalece, já se debilitam as correntes.
Os olhos se aclaram e diminui a pressão.
Já revivem as esperanças.
Somente um sinal, um zumbido dos bosques.
Somente um salto do riacho na montanha
e a alma já se afina à canção
e já se tece o mágico tecido,
o coração se sobressalta.
Somente o gritar da água,
somente o bater de asas de um falcão,
um assobio varonil além da montanha,
na colina uma labareda de fogo
fazem-nos voltar à tranquilidade,
o espírito já se acende, já se aclara,
como uma língua de chama voa para cima,
como no ar regressa um meteoro.
Somente um instante, como um
brilho que nos passa sobre a cabeça,
já o temos: o pensamento brinca,
a alma rejuvenescida saltita sobre os arbustos,
e assim se divisa, como uma faixa do arco-íris.
Desta alma eu vos saúdo!

Fonte: Freire, C. 2004. Babel de poemas: uma antologia multilíngüe. Porto Alegre, L&PM.

26 dezembro 2017

Amo em ti o medo

Casimiro de Brito

Amo em ti o medo
de morrer, folha
que vai caindo
no meu olhar; entre a luz
e o pó
o pó e a cal
da minha morte. Nua
e acolhida
à sombra da árvore que passa.

Fonte: Silva, A. C. & Bueno, A., orgs. 1999. Antologia da poesia portuguesa contemporânea. RJ, Lacerda Editores. Poema publicado em livro em 1995.

24 dezembro 2017

Madona com o Menino


Francesco Squarcione (1397-1468). Madonna col Bambino. 1455.

Fonte da foto: Wikipedia.

22 dezembro 2017

Natal (I)


Natal é missa do galo à meia-noite,
leitão e farofa de Conceição de Mato Dentro,
cachaça de Peçanha, doce de cidra e rapadura
preta de Santo Antônio do Itambé,
requeijão do Serro,
goiabada de São Gonçalo
do Rio das Pedras,
estórias de seu Teodoro da Fazenda,
vestido de chita de Biribiri,
linguiça de Morro do Pilar,
doce de leite de Sabinópolis,
marmelada de Guanhães,
modinhas de Diamantina
– na herança,
no sangue, na sombra do cerne dos olhos.

Fonte: Pereira, E. A., org. 2010. Um tigre na floresta de signos. BH, Maza Edições. Poema – há ainda um Natal (II) – publicado em livro em 1980.

19 dezembro 2017

Vogais

F. Ponce de León

Escrito entre 1870 e 1871, mas publicado em livro apenas em 1884, o famoso poema ‘Voyelles’, de Arthur Rimbaud (1854-1891), já foi traduzido diversas vezes para o português.

Entre nós, por exemplo, já foram publicadas (em meio impresso ou eletrônico) traduções feitas por Augusto de Campos, Gondin da Fonseca (1899-1977), Ivo Barroso, José Nêumanne e Tomaz Amorim Izabel.

Apresento a seguir a minha proposta de tradução.

Vogais 

Arthur Rimbaud

A preto, E branco, I vermelho, U verde, O azul: vogais,
Eu algum dia mostrarei vossas nascenças latentes:
A, preto espartilho peludo de moscas reluzentes
Que zumbem ao redor de cogumelos mortais,

Golfos d’umbra; E, candor de vapores e de tendas,
Lanças de geleiras altivas, reis albinos, frêmitos d’umbelas;
I, roxo, sangue cuspido, riso de belos lábios
Na raiva ou em bebedeiras penitentes;

U, ciclos, vibrações divinas de mares biliosos,
Paz dos pastos semeados d’animais, paz das rugas
Que a alquimia imprime nas vastas frontes eruditas;

O, suprema Trombeta plena de ruídos estranhos,
Silêncios traspassam os Mundos e os Anjos:
– O, o Ômega, raio violeta de Seus Olhos!

17 dezembro 2017

Voyelles

Arthur Rimbaud

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu: voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes:
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfe d’ombre; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d’ombelles;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;

U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d’animaux, paix des rides
Que l’alchimie imprime aux grands fronts studieux;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silences traversés des Mondes et des Anges:
– O l’Oméga, rayon violet de Ses Yeux!

Fonte: Pinto, J. N. 2002. Solos do silêncio, 2ª ed. SP, Geração Editorial. Publicado em 1883 (escrito em 1871).

15 dezembro 2017

Povoado na Normandia


Félix Buhot (1847-1898). Morsalines. 1883.

Fonte da foto: Wikipedia.

13 dezembro 2017

Onipotente

Henriques do Cerro Azul

Eis-me só, neste vácuo em que medito...
Nada aos pés... Nada acima... Extraordinário!
Nada existe! E eis-me forte e solitário,
como um deus solitário no Infinito!

Nem um som... Nem um uivo... Nem um grito...
Eu, só! único e só! Eu, Unitário!
Eu, perfeito! Eu, divino! Ubiquitário!
Onipotente! Criador! Bendito!

Eu, sempiterno Ser, donde promana            
a Verdade, com a Mente enrijecida,
posso tudo criar neste momento...

E, para minha glória soberana,
crio tudo que quero... e dou-lhe Vida,
com a força do meu próprio Pensamento!

Fonte: Horta, A. B. 2016. Sob o signo da poesia. Brasília, Thesaurus. Poema publicado em livro em 1992. ‘Henriques do Cerro Azul’ é o nome literário de João Henrique Serra Azul.

12 dezembro 2017

Onze anos e dois meses no ar

F. Ponce de León

Nesta terça-feira, 12/12, o Poesia contra a guerra completou 11 anos e dois meses no ar.

Desde o balanço anterior – ‘Onze anos e um mês no ar’ – foram publicados aqui pela primeira vez textos dos seguintes autores: André Prous, Armin Heymer, Francis Bowen, James McConnell, Márcio Catunda, Michael Kennedy, Nigel Ashworth Barnicot, Richard Wettstein, Shirley Ferreira e Thomas Lovell Beddoes. Além de alguns outros que já haviam sido publicados em meses anteriores.

Cabe ainda registrar a publicação de imagens de obras dos seguintes pintores: Charles-Émile Jacque e Luca Giordano.

10 dezembro 2017

A organização do comportamento

James McConnell

Em 1953, quando era estudante na Universidade do Texas, Robert Thompson, também estudante, chegou para mim e me convidou para trabalhar com ele no treinamento de platelmintes – turbelários. Interessava-me descobrir que diabo ele queria fazer com aquilo; afinal você só se torna respeitável em psicologia quando treina ratos. Mas ele tinha acabado de ler o grande livro de Donald Hebb (1949), The organization of behavior. Meu Deus, que influência esse livro tinha exercido sobre nós! Hebb estava interessado no que acontecia dentro do cérebro quando um organismo aprende. Ele tinha convicção, que era a mesma de William James (1950) e de outras fontes, de que talvez houvesse uma reorganização nas conexões básicas das células nervosas do cérebro, sempre que alguém aprende alguma coisa. Quando coloca a informação no computador, você tem de fazer alguma modificação física nele, ao nível das ligações ou ao nível do programa. Talvez você pudesse realmente descobrir e tocar na memória se soubesse para onde olhar, se para o disco de memória ou para dentro do sistema de ligações. Hebb e outros começaram a dizer: “Bem, deve haver o mesmo tipo de mudança no computador humano que nós chamamos cérebro”. Qual é ela? Nós a chamamos de engrama, mas ainda não sabemos o que ela é. Hebb pensara que talvez no momento da aprendizagem você fizesse a ligação das células nervosas em caminhos diferentes, chamou a isto de composição celular. Foi uma ideia brilhante. O enfoque dado era mais em termos de conexões funcionais do que em termos de mudanças estruturais entre as células, mas não sei se você pode mesmo ter um sistema de ligações funcionais no cérebro sem que a mudança seja também estrutural.

Fonte: Evans, R. I. 1979 [1976]. Construtores da psicologia. SP, Summus & Edusp.

08 dezembro 2017

Dream-Pedlary

Thomas Lovell Beddoes

1.
If there were dreams to sell,
   What would you buy?
Some cost a passing bell;
   Some a light sigh,
That shakes from Life’s fresh crown
Only a rose-leaf down.
If there were dreams to sell,
Merry and sad to tell,
And the crier rang the bell,
   What would you buy?

2.
A cottage lone and still,
   With bowers nigh,
Shadowy, my woes to still,
   Until I die.
Such pearls from Life’s fresh crown
Fain would I shake me down.
Were dreams to have at will,
This would best heal my ill,
   This would I buy.

3.
But there were dreams to sell
   Ill didst thou buy;
Life is a dream, they tell,
   Waking, to die.
Dreaming a dream to prize,
Is wishing ghosts to rise;
And if I had the spell
To call the buried well,
   Which one should I?

4.
If there are ghosts to raise,
   What shall I call,
Out of hell’s murky haze,
   Heaven’s blue pall?
Raise my loved long-lost boy,
To lead me to his joy. –
   There are no ghosts to raise;
   Out of death lead no ways;
      Vain is the call.

5.
Know’st thou not ghosts to sue,
   No love thou hast.
Else lie, as I will do,
   And breathe thy last.
So out of Life’s fresh crown
Fall like a rose-leaf down.
   Thus are the ghosts to woo;
   Thus are all dreams made true,
      Ever to last!

Fonte (versos 1-4 da estrofe 2): Carpeaux, O. M. 2011. História da literatura ocidental, vol. 3. Brasília, Senado Federal. Poema publicado em livro em 1851.

06 dezembro 2017

Os primeiros colonizadores

André Prous

As principais pesquisas sobre os antigos caçadores-coletores de Minas Gerais concentraram-se principalmente nos abrigos calcários, os quais preservam maior variedade de vestígios do que os sítios a céu aberto. [...]

Embora tenha sido encontrado um instrumento de pedra datado de 20 mil a 15 mil anos na Lapa Vermelha (perto do aeroporto de Belo Horizonte, em Confins), este achado isolado, como todos os outros indícios datados de mais de 12 mil anos no Brasil, é de difícil interpretação. [...]

A vida dos ‘homens de Lagoa Santa’ é bem documentada entre 10 mil e 8 mil anos atrás, graças às escavações realizadas em Cerca Grande, em 1956, e em Santana do Riacho, na década de 70. [...]

Os restos alimentares encontrados durante as escavações sugerem caça limitada, não havendo vestígios de porcos-do-mato; os cervídeos são pouco representados assim como os peixes; encontramos sobretudo tatus e roedores (sendo por vezes difícil saber quais foram caçados e quais moravam no local); a alimentação vegetal parece ter sido abundante, e, por causa disto, os homens de Lagoa Santa apresentavam uma frequência de cárie raramente observada em populações de caçadores e excepcional para um período tão remoto. Verificou-se também a frequência de paradas de crescimento entre os jovens (diagnosticadas através da radiografia de ossos longos), talvez devido a problemas alimentares sazonais; algumas fraturas e problemas de saúde foram diagnosticados, como lesões inflamatórias com periostites e osteomielites graves.

A mortalidade das crianças até quatro anos de idade era grande e a esperança de vida, bastante reduzida; de modo geral, a saúde da população parece ter sido delicada, talvez em razão do isolamento genético em que se encontrava, manifesto pela grande homogeneidade das características epigenéticas. [...]

Fonte: Prous, A. 1999. As primeiras populações do estado de Minas Gerais. In: M. C. Tenório, org. Pré-história da Terra Brasilis. RJ, Editora UFRJ.

04 dezembro 2017

Patos


Charles-Émile Jacque (1813-1894). Canards. s/d.

Fonte da foto: Wikipedia.

02 dezembro 2017

Santa comadre

Kátia Bento

– Só isso, não –
diz Dona Odila a minha mãe
: também agrião
gota de iodo
e flor de mamão

Fonte: Bento, K. 2017. Castelã. Vitória, Flumen Edições.

01 dezembro 2017

Mozart é a música

Michael Kennedy

A extensão e o alcance do gênio de Mozart são tão vastos e estonteantes que qualquer resumo conciso de suas realizações corre o risco de ser mesquinho. Ele pegou o dinheirinho miúdo musical de seu tempo, aprendido desde menino nas cortes européias, e transformou-o em uma mina de ouro... Em suas óperas ele exibiu não só uma emoção dramática até aqui iniqualada, mas ampliou os limites da arte do cantor e, com sua espantosa penetração no interior da natureza humana, criou personagens no palco... comparáveis aos de Shakespeare. Não por alguma liberação revolucionária, mas pela superioridade natural da música que escreveu, ele mudou os caminhos da sinfonia, do concerto para piano, do quarteto de cordas, da sonata, e de ainda muito mais. “Mozart é a música”, disse um crítico, e a maioria dos compositores desde 1791 tem concordado com ele.

Fonte: Solman, J. 1991. Mozartiana: Dois séculos de notas, citações e anedotas sobre Wolfgang Amadeus Mozart. RJ, Nova Fronteira. Texto publicado originalmente em 1985.

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